Notre Dame seis meses depois: entre o material e o digital
“O que fizermos com o património determinará a nossa futura identidade coletiva.”
Santiago de Molina
No próximo dia 15 de outubro fará seis meses do incêndio de Notre Dame, que destruiu a sua cobertura medieval e a sua agulha do século XIX. Durante os dias seguintes à tragédia, assistimos a um intenso debate entre arquitetos, especialistas, e não tão especialistas. Santiago de Molina aludia ao caráter simbólico de Notre Dame e defendia o papel do arquiteto nos futuros projetos de reconstrução. O El barroquista apostava por intervenções mínimas, prudentes, aludindo a projetos que se reconstroem sem reproduzir-se e sem ocultar cicatrizes. Mas claro, a calma e a sensatez normalmente não abundam entre a agitação dos meios de comunicação. José Ramón Hernández aludia às disparatadas propostas que invadiram as redes sociais, esbofeteando com realismo e crueza ao ritmo do “La Marseillaise”. Ben Sixsmith disparava de frente contra essas propostas sob um discurso estilístico (frouxo) e sob o lema “Keep the modernist away from Notre Dame”. Jaume Prat reagiu reivindicando de novo o papel da arquitetura e dos arquitetos na futura reconstrução.
“Notre Dame é uma ideia, uma ideia que partiu de uma ou de umas poucas cabeças que, independentemente do título ou do nome, pensavam como arquitetos” Jaume Prat
No meio desta confusão, surgiu outra notícia: a empresa de videojogos, Ubisoft, uma das que doaram fundos para a reconstrução, também forneceria os modelos digitais que utilizaram para reproduzir a catedral em “Assassin’s Creed Unity”, título de 2014 ambientado na revolução francesa. Tivemos então, novamente, um intenso debate, desta vez entre aqueles que defendiam o valor do videojogo e aqueles que apontavam para os seus anacronismos, como a inclusão da agulha Viollet-le-Duc quase cem anos antes da sua construção. A Ubisoft, em vez disso, apontava para o processo de trabalho e não para o produto final. Visibilizou-se o trabalho de Caroline Miousse, especialista da equipa de Ubisoft, que dedicou quase 5.000 horas a estudar a documentação disponível do monumento e a recreá-lo pedra a pedra. Miousse, por sua vez, reconheceu o trabalho de Andrew Tallon, historiador de arte, que realizou uma série de scanners 3D e nuvens de pontos de Notre Dame com tecnologia ainda mais avançada do que a de Ubisoft.
Hoje, as obras de Notre Dame parecem centradas na sua reconstrução histórica, mas só saberemos mais detalhes do projeto no final de 2020. No processo, a Ubisoft e a UNESCO adiantaram-se e criaram uma experiência em realidade virtual que permite visitar uma reprodução do monumento – desta vez, sim – fiel à história. Ações deste tipo incidem nos discursos sobre o futuro do património e na sua dimensão simbólica que De Molina e Prat mantiveram. Se a arquitetura de Notre Dame é, à parte de alvenaria, uma ideia, nesse caso os fenómenos espaciais que ocorrem à sua volta merecem atenção, incluindo aqueles que se dão no espaço digital. Por trás deles estão os lugares lúdicos e o entretenimento, mas também trabalhos arquitetónicos e históricos de grande rigor que convém estarem bem localizados. De certeza que um dia nos farão falta.
Manuel Saga
(Granada, 1986). Research Fellow en Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University (Washington DC). Doctor en Historia de la Arquitectura (Politecnico di Torino) y Doctor en Historia del Arte (UGR). Arquitecto egresado de la ETSAG y Magíster en Arquitectura de la Universidad de los Andes, Colombia. Socio fundador de Amate+Saga, oficina de arquitectura y diseño estratégico. Asistente editorial del Journal académico Architectural Histories, perteneciente a la European Architectural History Network. Colaborador habitual de National Geographic Historia. Antiguo corresponsal de La Ciudad Viva .
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