Workshops Antropoloops / Captura de
vídeo.
A “cultura de quarentena” que nestes dias emerge do meio da crise sanitária incentiva a imaginação política na arquitetura. Espaços intersticiais como janelas, varandas e portais acolhem dinâmicas sociais solidárias e de mútuo apoio que destacam muitos valores que o frenesim produtivo e de crescimento económico deixa na sombra. A cultura de quarentena surge como um fantasma de outra ordem do mundo possível. Dos espaços intersticiais que hoje ocupam o centro das atenções, as varandas destacam, sem dúvida. A sua situação ambígua entre a intimidade e a exposição faz delas espaços simbólicos e práticos, onde a empatia e a compreensão podem emergir de maneira viral. Em cenários espontâneos para a solidariedade social, o desejo de contacto, o reconhecimento dos cuidados, a importância da sua distribuição.
A arquitetura já há algum tempo que está atenta a estes espaços partilhados como âmbitos de contacto e socialização que auxiliam e enriquecem a convivência, e também participa de alguma forma na geração de “bolsos de contacto” como parte de um bem comum irrenunciável. Nos últimos dias, temos visto nas noticias o completo residencial em Mairena del Aljarafe de Gabriel Verd+Buró4, cujos moradores foram elogiados pelo presidente da OMS pelo seu bom talante: organizaram um bingo intercambiando cartões através de Whatsapp e uma aula de ginástica com o espaço coletivo central como cenário. No projeto, o arquiteto prestou uma especial atenção às zonas comunitárias, ciente do seu valor prático e simbólico, mas sem suspeitar de que se gerariam desta maneira fora do comum numa situação extrema de reclusão como a que vivemos atualmente. As varandas da “cultura de quarentena” são físicas e, ao mesmo tempo, tecnológicas. Outra iniciativa em Sevilha é a de Juan Duque Oliva, que projeta todos os dias a partir da sua casa sobre as fachadas dos blocos residenciais que o rodeiam fotografias tiradas na rua e outras que lhe enviam os seus vizinhos através de meios eletrónicos. Como Reyes Gallegos diz, não é só uma forma de animar, também é uma forma de reconhecer, já que apresenta pessoas e atividades laborais que muitas vezes são invisíveis e que sustentam as nossas vidas quotidianas.
Também temos visto como diferentes meios selecionam e recomendam conteúdos disponíveis online, fazendo de “editores” da caótica amálgama cultural que é a Internet. Bibliotecas e arquivos de diferentes instituições abrem as suas portas, tornando-se acessíveis. Outras iniciativas dão um passo mais à frente, como os Talleres Antropoloops (Workshops Antropoloops) dos arquitetos Rubén Alonso e Fran Torres, que criaram uma ferramenta online e gratuita de remistura musical para fazer música. Ao longo destes dias, incentivam a usá-la para criar canções em família. Todo o projeto Antropoloops está centrado no cuidado da cultura musical global como um bem material e parte do bem comum, contando com a tecnologia e a cultura social nas redes como seu grande aliado. Nas suas palavras: “Usamos a remistura musical como lugar de jogo e encontro, um espaço onde a diferença é entendida de maneira criativa, dinâmica e inacabada”.
Varandas e “bolsos” para o comum, cenários e remixes do disponível e do conhecido, experiências que invertem as regras da performance, que nos convidam a pensar de outra maneira sobre a distinção entre urbanismo e arquitetura, meio-ambiente e tecnologia. Tecnológicas ou urbanas, estas varandas para o contacto, para o apoio mútuo e o apreço pelos outros vão além de uma simples metáfora de outro mundo possível. São uma promessa, uma ferramenta pedagógica, um primeiro passo num caminho que só se pode percorrer andando.
Texto traduzido por Inês Veiga.