Money, it’s a crime
Share it fairly but don’t take a slice of my pie
Money, so they say
Is the root of all evil today
But if you ask for a raise it’s no surprise
That they’re giving none away
Pink Floyd. Money.
Se se trata de fatias de tarte, a metáfora, aplicada à profissão de arquiteto, não poderia ser mais distópica. Nem doce, nem colorida, nem com cereja, a questão económico-arquitetónica – muitas vezes negligenciada e não por isso menos presente – está mais próxima da última frase da estrofe, they are not giving none away, que a do inico, slice of my pie.
Além de intenções, de desejos ou de empreendedorismos, e com um ábaco daqueles de contar, a realidade é muito mais difícil do que o que é puramente passional. Sem querer ser exaustivo, pode começar a fazer contas:
Mensalidade da Ordem: 30 euros por mês1. Seguro de responsabilidade civil (Podemos viver sem ele, mas não se dorme tão bem): unos 50 euros por mês2. Impostos de Trabalhador Independente na segurança social: 260 euros3.
Total, se o Sr. Casio não falha, sem mexer sequer o lápis, ativar o modo «arquiteto ON» significa uns 340 euros ao mês. Caso o nosso trabalhador independente seja realmente um trabalhador independente (ave rara) e – sendo generosos – o pomos a trabalhar em casa e em roupão, como os Jedi, e adicionamos 25% estimado de despesas de aluguer, água, luz e telefone: uns 350 euros em total, ou seja, 87,5 euros.
Assim, e se imaginamos (vamos tentar) que o computador, as licenças de CAD, etc. já os tínhamos antes, o total só para se colocar na casa de partida, arredondando e em modo poupança, dá uns 430 euros. Todos os meses. Independentemente de que chova, neve ou faça sol. Independentemente que Toyo Ito ganhe o Pritzker ou que o ganhe Joaquín Torres (admitem-se apostas). A lógica mais esmagadora, a matemática, indica que o balanço de ingressos e despesas anual deveria superar essa quantidade mensal, entendendo também que, para empatar, um se lembre – chamem-me hedonista – de atividades muito mais interessantes, como dedicar-se ao cultivo da lentilha selvagem ou revisitar o ‘Médico de Família’ com análise semiótica incluída.
Se, para cúmulo, o nosso sofrido caso de estudo é um falso trabalhador independente (sem seguro, sem direitos laborais, sem baixas, sem nada) daqueles que recebem – num envelope com um certo odor a musgo – uns 900€ euros ao mês, a equação deixa-lhe uns 500 euros mensais e uma cara de ânsia viva cada vez que ouve a palavra mileurista (que recebe mais de mil euros por mês), que fica no ouvido como um eco, afastando-se, como um pontinho brilhante no horizonte.
A realidade tem a tendência de ser teimosa, e os números ainda mais quando estão a vermelho e com um sinal de menos à frente. A paixão é necessária nestes casos. Muito. O que também se requer é a vocação e o apreço cuidadoso pelo que se faz, que normalmente inclui uma certa capacidade de sacrifício, de magistério permanente. No entanto, levar a passear a calculadora de vez em quando não faz mal nenhum, simplesmente para saber se estamos a exercer uma profissão complexa, com tudo o que isto acarreta – incluindo o respeito pela realidade – ou se estamos, como diria Zizek, aplicando a ideologia como uma forma de negação e, portanto, de autocensura.
Ou de martirológio, não sei o que é que é pior.