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collage de la autora Raquel Lagoa
A circulação frenética de imagens motivou o repensar do papel da fotografia num contexto arquitectónico definitivamente marcado pela nova era digital. Nesta reflexão a fotografia ultrapassa os limites da representação, como registo ou documentação, não sendo apenas técnica mas instrumento de ideação ao serviço da arquitetura que permite materializar um diálogo entre abstração e realismo, passado e futuro, num mundo que carece de uma ecologia de imagens.
Numa aproximação gradual à cidade através da lente da câmara analógica, focam-se os lugares—comuns com a intenção de os resgatar da banalidade do quotidiano. Em cada imagem cruzam-se registos espaciais, experiências e memórias da cidade que se julga conhecer. As pontes penduradas nas encostas, a ribeira vista da outra margem ou os reflexos sobre o rio, as imagens que também se multiplicam em souvenirs vendidos como última amostra da cidade autêntica. Surpreendentemente, revelam-se fotografias que não serão apenas capturas do real mas fragmentos físicos da própria vida na cidade, objetos que passam a fazer parte dela.
A liberdade inquestionável do desenho em arquitetura, manifesta-se igualmente na colagem que, de forma rigorosa e precisa, oculta os vestígios da montagem e funde os fragmentos do real construindo alternativas plausíveis. Da manipulação digital das fotografias analógicas resultaram cenários dificilmente conciliáveis, mas não impossíveis. Sendo pouco relevante o que acontece em cada uma, importa sobretudo a relação que estabelecem com o real e com o observador, enquanto ‘despertadores’ de emoções, dúvidas e reflexões.
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collage de la autora Raquel Lagoa
Composições de fragmentos deslocados, ironias e eufemismos, as montagens impressionam, enganam, comovem ou agradam, ao mesmo tempo que deixam escapar os sinais de uma cidade a caminhar para o colapso. As imagens ‘redesenhadas’ fundamentam um gesto crítico, uma articulação entre estética, ética e política, uma reconciliação do pensamento e imaginação com a matéria do real, cada vez mais difícil de representar como totalidade, imagem suspensa ou imutável.
A confusão entre real e ficção é enfatizada por alternâncias cromáticas que trazem à memória a lógica das imagens de Wim Wenders em As asas do desejo (1987). Neste contexto, o registo monocromático ilustra a nostalgia de um percurso monótono e introspetivo pela cidade, semelhante à visão a preto e branco dos anjos de Wenders que vagueiam na cidade transcendente e atemporal. As cores reaparecem numa segunda fase e coincidem com a cidade atual e concreta, o espaço frenético e empolgante, palco do eterno presente. A saturação do espectro cromático do real, realça os fragmentos (descontextualizados) como afirmações estéticas provocatórias que dificilmente passam despercebidas.
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collage de la autora Raquel Lagoa
Mais do que fundamentar uma crítica à cidade e às imagens infinitamente reproduzidas sobre ela, este ensaio divulga uma experiência única e imprevisível pela cidade, semelhante à experiência criativa em arquitetura, o projeto é um labirinto entre espaços e tempos, referências reais e irreais, a obra (o edifício) é a síntese, neste caso, as montagens fotográficas.
Estas novas imagens nascem do desejo de propor algo diferente de tudo o que já existe. As colagens permitem (re)desenhar a cidade através da invenção de novas paisagens que se confundem com a realidade. Não sendo utopias, nascem com o objetivo de contrariar a cidade atual— interpretada como paisagem contínua pontuada de arquiteturas efémeras, cenário sem defeitos e sem ruínas, a cidade que todos desejam, sem poder viver nela.
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collage de la autora Raquel Lagoa