A pandemia, com as consequentes restrições de mobilidade, mudança de atividades e a necessidade de garantir maior distância entre as pessoas, teve uma repercussão interessante no redesenho das ruas de Barcelona que gerou um profundo debate. Em algumas delas, especialmente no Ensanche, as faixas de rodagem foram substituídas por espaços pedonais, marcados com os grafismos dos superquarteirões que ainda se encontram em processo de implementação. Pintaram-se faixas coloridas, ora reproduzindo os azulejos característicos da calçada barcelonesa, ora com motivos geométricos. Estes espaços foram separados do trânsito com cones de plástico, cubos de betão ou cercas de diferentes tipos. Outro tipo de grafismo menos regulamentado tem marcado as posições nas filas dos supermercados ou «vias» de acesso das crianças às escolas. Além disso, as esplanadas dos cafés começaram a substituir os lugares de estacionamento nas estradas.
Irreversivelmente (esperemos que sim), a cidade está a ganhar espaços sem carros e, portanto, começou a reduzir os níveis de poluição aérea e sonora, embora estes dados estejam, também, condicionados pela diminuição da mobilidade. No entanto, estas novas faixas pedonais suscitam dúvidas sobre como e porquê usá-las: a segurança tem sido citada como um problema importante, mas também a relação com o mobiliário urbano e os usos dos rés-do-chão. A grande defensora dos passeios, Jane Jacobs, dizia que estes nada mais são do que espaços abstratos se não estiverem vinculados às edificações e aos usos que os limitam e que, portanto, são espaços muito importantes para o convívio social espontâneo. Noutros tempos, quando as crianças brincavam nos passeios – este tem sido um dos argumentos para a sua ampliação –, era ali que aprendiam as primeiras lições de convivência urbana, baseada na responsabilidade para com o outro, ganhando confiança para se desenvolverem no espaço público.
Após este primeiro passo, delimitar os passeios, destaca o problema do domínio destes novos espaços. Dominar é sempre um processo coletivo relacionado com a identificação simbólica e afetiva que requer espaço e tempo para a interação social e para a ação física que às vezes tende a modificar os mesmos para deixar o seu rasto. Para «fazer» lugar. Diferentes projetos do espaço público barcelonês souberam procurar os vestígios, explicar as histórias urbanas, propor atividades e ligações para facilitar a apropriação. A história dos passeios e das calçadas de uma cidade é uma parte da sua história que vale a pena ser contada1: do bairro ao macadame e à pedra da calçada, ao panot de flor e o asfalto. Talvez essa pudesse ter sido a ocasião para relembrá-la ou então para estudar e melhorar os passeios que temos hoje, muitas vezes mal organizados e mantidos.
Texto traduzido por Inês Veiga.