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“Dispor” também significa una tomada de posição, ou melhor, uma toma de consciência. Didi-Huberman, George. Cuando las imágenes toman posición: el ojo de la historia 1, Madrid: A. Machado Libros, 2008. “distanciar é demostrar mostrando as relações de coisas mostradas juntas e adicionadas de acordo com as suas diferenças” (pág.81). “é então que, ao adotar uma posição numa montagem dada, as diferentes imagens que o compõemao descompor a sua cronologiapodem mostrar-nos algo diferentes sobre a nossa própria história” (p.317).  Em Pelegrin, M. & Pérez, F. Arquitectura Dispuesta: Preposiciones Cotidianas. Ed. Universidade de Sevilha, 2015.

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Felicitti Scott, no seu texto A Swerve(Uma viragem), explicita a oportunidade da aportação de ditas contradições como espaços onde se produz um ponto de inflexão, contradições ou aporias irresolúveis. Numerosas aporias clássicas foram resolvidas por uma mudança de paradigma, cosmovisão, episteme ou técnica. Talvez tais aporias possam ser pensadas como indícios e começos de outras formas de risco, não só no sentido de especulações espaciais, materiais e arquitetónicas, mas como riscos com os quais se testam novas formas de vida. Marta Pelegrín e Fernando Pérez, em MEDIOMUNDO arquitectos, trabalham, hoje, conscientes desta situação e participam num espaço para a sua confrontação, para entusiasmar e excitar a nossa imaginação. Em Pelegrin, M.& Pérez, F. ibid

 

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Apelando à negociação entre agentes e a temporalidade da sua disposição, os elementos dispostos participarão no ciclo de vida do museu, utilizar-se-ão no museu de agora em diante, futuros dispositivos para a observação, a experiência e, novamente, a escuta.

Disposição à escuta

AUDIOSFERA_ Exposição no Reina Sofía, croquis da autora Marta Pelegrín

Em outubro de 2020, a exposição Audiosfera foi inaugurada no MNCA Reina Sofía. Experimentación sonora 1980-2020 (Experimentação sonora 1980-2020) com mais de mil obras de criação sonora e música experimental. A adaptação dos espaços do terceiro andar do edifício Sabatini de Marta Pelegrin e Fernando Pérez, MEDIOMUNDO arquitectos, projeta-se como disposição à escuta, para explorar outra maneira de nos relacionarmos com estas produções sonoras que, apesar de serem “imateriais”, estão expostas.

 

A palavra disposição, que se refere tanto a um conceito espacial (dispor 1, expor) como a uma atitude (estar com disposição ou disposto/a), um modo de interatuar e escutar. A proposta do MNCARS é, sem objetos ou imagens, oferecer espaço para a possibilidade de alterar o direcionamento habitual da atenção do espectador, da “obra-fonte” – que fornece estímulos objetais, visuais e experienciais, mais frequentes na arte contemporânea – em relação aos próprios materiais audíveis (imateriais) e interiorizá-los através da audição.

Há uma certa contradição2 na vontade de encerrar entre paredes de um museu algo tão leve como o som.

 

O projeto dos espaços de escuta de Audiosfera, tem, portanto, uma envolvente e um percurso pré-determinados no edifício Sabatini.

Como estabelece a representação clássica do espaço renascentista através da perspetiva, a arquitetura não é um fenómeno sincrónico, mas um fenómeno sucessivo e gera uma experiência de espaço sequencial, que é determinada pelo tempo, neste caso, o tempo de escuta. O projeto de arquitetura implica, portanto, projetar a experiência do espaço no tempo e vice-versa.

 

Uma visão rápida através da tradição da arquitetura do som revela uma condição específica da arquitetura como uma caixa mágica para o som. Já conhecidos são o instrumento telescópico de Bayreuth para Wagner, a catedral burguesa para la foule em Paris, de Garnier, a Gesamtkunstwerk no Burgtheather de Semper e Hansenauer, e a urbanização da Festa da vida e arte na colónia de Damstadt de Behrens e Olbrich, e a transcendente cena de Hellerau de Appia, Dalcroze, Salzmann e Tessenow, fenómenos espaciais que pautaram a experimentação e construção espacial ao redor das artes, sobretudo da arte sonora em constante evolução. São, talvez, arqueologias férteis que criam, através da arquitetura, novas sensações, novos sistemas de perceção e prazer sensorial. São espaços de amplificação e criação, cuja especificidade impõe um acordo constante entre a permanência da arquitetura e a sua amoldabilidade, experiência nas que as artes e a arquitetura se envolvem numa negociação necessária.

 

Em 1890, o fonógrafo já era comercializado e, em 1925, já se gravava música, que era reproduzida através de aparelhos eletrónicos, multiplicando assim as possibilidades do espaço atribuído ao tempo demandado pela audição. Hoje, a eletrónica permite-nos observar a partir de múltiplas plataformas, outros sons, que geram outros espaços ainda por representar. Apesar disso, a exigida conjunção de tempo e espaço como criação artística tem gerado também outros grandes exemplos onde a arquitetura e o espaço nascem propondo uma experiência conjunta, pavilhões que o circuito de exposições e espetáculos têm somado como laboratórios de experimentação na produção de música espacializada e espaço sonoro.  Também conhecidos são o Pavilhão Phillips de Xenakis e Le Corbusier, o pavilhão IBM de Saarinen, o Arca de Prometeu de Piano e Nono ou o pavilhão suíço em Hannover de Zumptor. São aparelhos sonoros primorosos, instrumentos de comunicação ligados às propostas sonoras e às experiências sequenciadas com ritmo, um começo e um fim. Muitas vezes, estas experiências e estes edifícios estão ligados ao seu próprio espetáculo, não vivem sem ele e existem para ele. A obra sonora completa-se com esta experiência.

 

A visão contemporânea sobre o espaço corrobora e exige-nos cada vez mais que projetemos edifícios que possam servir para muitos usos; um hospital ou uma fábrica pode ser quase tudo, inclusive um museu. As salas do terceiro andar do MNCA Reina Sofía para Audiosfera dispõem-se entre uma e outra tradição, assumem o risco de não serem espaços concebidos para a escuta, mas oferecem a oportunidade de informação e experiência para um percurso guiado sem mais atributos do que aqueles herdados pelas salas existentes, ponderados com luz e cor, e com lugares para os visitantes se poderem sentar3.

 

Pensar o espaço para a escuta de arquivos sonoros que o público recebe através de auriculares individuais sincronizados com o trânsito e passeio de sala em sala não é fácil. Assim, através da agrupação recopilada para cada sala, mostram-se as produções e práticas culturais que problematizaram questões essenciais no trabalho criativo como a distinção entre autor ou produtor, individual ou coletivo (do it yourselfdo it together), a indústria e a criação, academia e cultura experimental, underground, profissional e amadora. São categorias reformuladas que geraram outras estéticas paralelas às mais presentes, e cuja transcendência cultural é reconhecida, novamente, nesta ocasião. A exibição está estruturada em sete secções que atendem a diferentes processos sociais, tecnológicos, históricos e culturais: genealogias, redes, mega-acessibilidade, ciborguização, estetogenica, recombinação e direitos. Estes processos foram gerados coletivamente e hoje são amplamente estendidos, agora identificados, reconhecidos ou analisados ​​artisticamente. O acesso a cada sala faz-se a partir de um espaço umbral, antessala, onde a escuta informa sobre a transcendência que o ambiente sonoro significou na mudança de século. Na sala final, que é também o início, as obras sonoras estão dispostas em aberto, agora sim, no espaço a ser experimentado.

Sabemos que T. W. Adorno defendeu que a música, enquanto obra de arte, pode fazer progredir tanto as pessoas como a sociedade mediante uma evolução do pensamento. Mas no texto Sobre o carácter fetichista da música e a regressão da escuta (Adorno, 1938) adverte que os meios de comunicação de massas tornam-na pura mercancia, adestram; através da repetição, o ouvinte simplifica o seu critério e o seu nível de exigência.  Audiosfera propõe ouvir outra realidade latente, uma multidão de criações que transcendem este vaticínio adorniano. As peças sonoras expostas reúnem a produção cultural do final do séc. XX e início do séc. XXI. O extenso conjunto de áudios propõe uma reconsideração crítica e construtiva das mudanças recentes na conceção artística do trabalho criativo com som e dos seus efeitos.

Falávamos da dupla direção que compromete o projeto de arquitetura: projetar para a frente e para trásboth directions at once, como John Coltrane sugeria no processo de desenvolvimento de uma música numa jam session em direto.  Parece impossível sustentar este compromisso sem uma escuta atenta, intencional e projetiva, uma contingência radical que se apresenta constantemente no trabalho de um arquiteto. A exposição propõe ao público mergulhar neste ingente legado de áudio, trabalho criativo com som que dá oportunidade de estriar uma capacidade fundamental para o projeto: a escuta.

 

 

Colofón:

Para obtener el sonido toma cuanto no sea el sonido déjalo caer

Por un pozo, escucha.

Luego deja caer el sonido.

Escucha la diferencia

Estallar.

“El mal”, Anne Carson. Em “Hombres en sus horas libres”.


Texto traduzido por Inês Veiga.
Notas de página
1

“Dispor” também significa una tomada de posição, ou melhor, uma toma de consciência. Didi-Huberman, George. Cuando las imágenes toman posición: el ojo de la historia 1, Madrid: A. Machado Libros, 2008. “distanciar é demostrar mostrando as relações de coisas mostradas juntas e adicionadas de acordo com as suas diferenças” (pág.81). “é então que, ao adotar uma posição numa montagem dada, as diferentes imagens que o compõemao descompor a sua cronologiapodem mostrar-nos algo diferentes sobre a nossa própria história” (p.317).  Em Pelegrin, M. & Pérez, F. Arquitectura Dispuesta: Preposiciones Cotidianas. Ed. Universidade de Sevilha, 2015.

2

Felicitti Scott, no seu texto A Swerve(Uma viragem), explicita a oportunidade da aportação de ditas contradições como espaços onde se produz um ponto de inflexão, contradições ou aporias irresolúveis. Numerosas aporias clássicas foram resolvidas por uma mudança de paradigma, cosmovisão, episteme ou técnica. Talvez tais aporias possam ser pensadas como indícios e começos de outras formas de risco, não só no sentido de especulações espaciais, materiais e arquitetónicas, mas como riscos com os quais se testam novas formas de vida. Marta Pelegrín e Fernando Pérez, em MEDIOMUNDO arquitectos, trabalham, hoje, conscientes desta situação e participam num espaço para a sua confrontação, para entusiasmar e excitar a nossa imaginação. Em Pelegrin, M.& Pérez, F. ibid

 

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Apelando à negociação entre agentes e a temporalidade da sua disposição, os elementos dispostos participarão no ciclo de vida do museu, utilizar-se-ão no museu de agora em diante, futuros dispositivos para a observação, a experiência e, novamente, a escuta.

Por:
Co-fundadora del Estudio de Arquitectura MEDIOMUNDO Arquitectos y jurado en la VII Edición Arquia/Próxima 2018-2019, representante de la zona sur. Doctora arquitecta (ETSA Sevilla) y profesora de proyectos arquitectónicos desde 2007 en la misma escuela. Es coordinadora y profesora de Cátedra Blanca Sevilla, desde 2007.

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