Em 1786, Francisco de Goya apresentou a D. Carlos III o esboço preliminar que se intitulou “El albañil borracho” (O Alvenel Bêbado), imagem que se pretendia integrar nas pinturas para tapeçarias sobre a vida quotidiana, que seriam instaladas na chamada sala de conversação ou sala de jantar do Palacio del Pardo, em Madrid. No esboço, é possível ver um operário da construção civil apoiado sobre dois colegas, todos com evidentes rostos sorridentes e cúmplices; de fundo, andaimes de pé. Anos mais tarde, porém, Goya propõe para o mesmo espaço palaciano um óleo sobre tela, “El albañil herido” (O Alvanel Ferido), pintura na que substitui o rosto trocista dos seus protagonistas pelo da preocupação e apoio ao ferido.
A mudança de tema nestas duas propostas de Goya nunca chegou a ser esclarecida, e a questão permanece em aberto: seria devido à falta de coerência ou, até, à impertinência da primeira cena comparativamente à nobreza do lugar que a acolheria? Seria, como outros interpretaram, um registo histórico de uma denuncia sobre a situação social, laboral e cultural da profissão1?
Olhamos para essas imagens e nos perguntamos se Goya, esse intelectual cujas reflexões ficaram registadas sobre tela, placas de cobre e papel por ambos lados, não pretendia representar, simplesmente, uma cena quotidiana, uma festa e uma penalidade, mas outra coisa. Trata-se de um atemporal convite a refletir se a natureza das mudanças, que, como também na profissão do exercício da arquitetura, poderia muito bem ser devida tanto a excessos como a incidentes2.
Da perspetiva da arquitetura e do urbanismo, quando se fundamenta e demonstra que a sobre-exploração dos recursos naturais e dos recursos humanos gera desequilíbrios e desigualdades que debilitam a estrutura de fundo – que a tela também exibe difusa –; como reconhecemos incidentes que evidenciam a vulnerabilidade das condições humanas, biológicas e políticas 3, cujo rosto – como o dos dois companheiros que seguram o terceiro – muda para se adequar à circunstância. Agora, preocupados, apesar de termos estruturado este modo de vida com prevenção e previsão, aprendemos a reconhecer ciclicamente os estados de crise e progresso, simplificações cada vez mais globais que identificam facilmente causas e causantes, e justificam as suas consequências e as medidas tomadas em conformidade.
Na cena, Goya mostra os factos, para lá de possíveis antecedentes e resolução futura. Talvez hoje esta seja a maior lição destas duas obras: ambas mostram e convidam a fazer uma pausa no caminho e a pensar pausadamente sobre a situação presente; hoje, agora. Mas sobretudo deixa claro que é essencialmente a colaboração, a cooperação mútua, a que sustém o trabalho num equilíbrio, embora instável, a que nos ajuda a continuar para outra cena, que ainda está por pintar.
Texto traduzido por Inês Veiga.