Cidade em perspetiva egípcia, autora Virginia Navarro
A cidade, através dos seus espaços, concede-nos uma importância social. E essa categorização educa os cidadãos. Assim, por exemplo, quando se criam espaços cercados para as crianças, espaços em cujo interior existem balouços e superfícies de impacto (pavimento de borracha), a criança aprende que está socialmente separada do mundo dos adultos, que a sua segurança é o parâmetro principal de design e que a sua diversão depende da aquisição, como se fossem brinquedos de moda, de um mobiliário de brincar repetido em qualquer localização urbana. Não existe, portanto, qualquer identificação por parte da criança e da sua brincadeira com o seu bairro ou meio, ou seja, que já desde a infância, educamos a criança numa espécie de globalização do espaço comum.
Esta globalização repete-se, refortalecida, na vida adulta. O comércio local vai desaparecendo progressivamente, dando passo a franchisings internacionais que ocupam lugares da cidade onde a beleza se converteu, com uma repentina reviravolta fatal e poderosa, num bem de consumo. A harmonia urbana, conseguida após séculos de história, “vende”. Isto desloca os habitantes autóctones para novas localizações onde, despossuídos, aprendem que os espaços identitários da sua cidade podem ser comercializados e convertidos num cenário carente de solidez da vida cotidiana em favor da fugacidade do visitante que está de passagem.
No entanto, qualquer deriva excessiva numa direção gera, de maneira espontânea, os seus focos de resistência. Assim, por um lado, estamos a testemunhar como os grupos minoritários (deficientes, idosos, associações de bairro, mulheres ou crianças) reivindicam um espaço democrático onde a cidade seja equitativa com cada um dos seus habitantes. E como, por sua vez, as escolas, cientes do papel educativo das cidades e da sua capacidade de transmitir valores e oportunidades, tentam gerar um compromisso social através da figura das “cidades educadoras”.
Num momento em que as etiquetas se multiplicam, é importante situar esta iniciativa, cuja primeira carta fundacional foi redigida em Barcelona, em 1990. Por isso, é interessante destacar alguns dos seus objetivos principais:
– Criar um sistema público e igualitário, que vá além da escola e que tenha em consideração todos os agentes educativos.
– Um projeto para toda a cidade que permita âmbitos de decisão local.
– Conseguir que a docência, como principal capital humano para a formação de intenções educativas, seja próxima da comunidade.
– Conseguir a melhora das práticas educativas familiares, desenvolvendo formas de apoio social para as mesmas.1
E tudo isto para habitar cidades sustentáveis, coeducativas, onde a coesão e a justiça social se baseiem em igualdade de direitos; onde a formação permite que as pessoas aprendam ao longo da vida e transformem a informação em conhecimento; onde se combata o analfabetismo e onde a cidadania seja culturalmente ativa.
Como iniciativa experimental da cidade como espaço educativo, destaca-se, por radical e por interessante, a proposta que os anarquistas desenvolveram nos anos sessenta. Paul Goodman (EUA) defendia que a educação mais importante ocorre fora do espaço escolar e propunha utilizar diretamente os edifícios e espaços públicos como lugares de aprendizagem. Isto significava o desaparecimento da aula e o uso de fábricas, museus, parques, etc., como lugares de intercâmbio social onde aprofundar de acordo com os interesses do grupo de alunos (composto por não mais que 20 pessoas). De forma similar, Colin Ward (UK), tanto no seu artigo “Schools no longer” como nas suas contribuições do livro Education without Schools (Buckman,1973) propõe que a aprendizagem seja dada fora do recinto escolar, utilizando o meio urbano como recurso e promovendo uma escola não definida pelos seus limites espaciais.
Hoje, que a educação é assumida como um processo holístico e a escola exige a necessária colaboração das comunidades e governos locais no ensino, talvez seja especialmente necessário advogar em prol dos valores educativos igualitários, respeitosos e culturais das nossas cidades, usando os recursos que estas nos oferecem. Porque a urbe continuará a educar, intervenhamos ativamente no processo ou não, e de momento a força económica do melhor proponente está a ganhar.
Texto traduzido por Inês Veiga.