Flyer para uma manifestação da AWC de 30 de março de 1969. Alfred H. Barr, Jr Papers, 1.489. The Museum of Modern Art.
No início da década de 1970, um grupo de artistas uniram-se na chamada Art Workers Coalition e começaram a referir-se a si mesmos como “trabalhadores da arte”. Art Workers.
A coligação, que teve origem no debate sobre a relação com os museus (especialmente com o MoMA), não foi alheia aos aspetos laborais e sindicais que, na época, permeavam o diálogo social e levariam aos momentos mais desenvolvidos do estado de bem-estar.
Este movimento, simples mas radical, bania a imagem do artista dolente (pobre mas bem-sucedido, segundo Remedios Zafra)1 e reconhecia que a arte era, acima de tudo, um trabalho, e que, como tal, deveria estar sujeito a questões laborais das quais geralmente se mantinha afastado. Falou-se, então, de reformas, de salários mínimos, e da relação — transversal — entre a AWC e outras organizações sindicais.
A verdade é que a arte (permitam-me alguma generalização) tende a ser incluída nos chamados trabalho ‘virtuosos’ — Hannah Arendt, por exemplo2 —, nos quais o que se produz é a própria interpretação virtuosa e necessariamente visível. Paolo Virno3, seguindo a mesma linha, dá o exemplo de Glenn Gould para apontar como o trabalho virtuoso se conclui na sua exposição e, portanto, não se extrai do mesmo um produto tangível.
A realidade é que nesse preciso momento em que se completa a produção — quando produz uma mais-valia, em termos marxistas — durante a sua interpretação e apreciação por terceiros, oculta todo o processo anterior a esse momento performativo: coisifica-o, ocultando-se nele as relações laborais das quais surge, usando novamente a terminologia marxista clássica. No caso de Gould, o trabalho não é a sua interpretação das variações Goldberg, mas todos os infinitos trabalhos prévios que levam a esse momento.
No caso dos arquitetos, esta invisibilidade é duplamente peculiar. Em primeiro lugar, porque a própria disciplina (e sem dúvida muitos dos seus modelos educativos) gostava de usar a definição de trabalho virtuoso de Virno e Arendt, reduzindo assim o desempenho profissional à performatividade do projeto na sua visibilidade e, em alguns casos, à descrição interessada (e voluntariamente complexa) do autor. Segundo, porque essa performatividade simplifica tudo para o converter não apenas no produto final exposto, mas no discurso sobre esse produto final, ocultando todos os trabalhos e relações laborais que “caixanegrizamos”4 com deleite.
Só desta redução é possível entender que se continua a transmitir que o trabalho do arquiteto é exclusivamente aquele associado ao projeto, e que os orçamentos, as avaliações, as instalações ou a docência são “outra mais’ que nos é alheia; puramente alimentária. Uma coisa que distrai esse virtuosíssimo final (idealizado) que entendemos como única forma assumível de (auto)realização.
A verdade é que, como afirmavam os membros da AWC (em 1970!!), somos trabalhadores da arquitetura.
O nosso trabalho vai muito além da exibição coisificada de uma pequena parte de uma só das tarefas que podemos desenvolver. O triunfo do estado de bem-estar foi, em parte, o da transversalidade dos trabalhadores que entenderam que o comum era o trabalho, sem atribuir um valor mais alto aos diferentes desempenhos: o designer de automóveis no seu estirador ao lado do operário da linha de montagem.
Ou talvez o arquiteto projetista ao lado do perito que avalia, mede e orçamenta.
Texto traduzido por Inês Veiga