

Zafra, Remedios. El entusiasmo: precariedad y trabajo creativo en la era digital. Coleção Argumentos 514. Barcelona: Editorial Anagrama, 2017.
Virno, Paolo. Gramática de la multitud: para un análisis de las formas de vida contemporáneas. Madrid: Traficantes de Sueños, 2003.
Usando o termo no sentido dado por Bruno Latour: ocultar, esconder, encerrar.
No início da década de 1970, um grupo de artistas uniram-se na chamada Art Workers Coalition e começaram a referir-se a si mesmos como “trabalhadores da arte”. Art Workers.
A coligação, que teve origem no debate sobre a relação com os museus (especialmente com o MoMA), não foi alheia aos aspetos laborais e sindicais que, na época, permeavam o diálogo social e levariam aos momentos mais desenvolvidos do estado de bem-estar.
Este movimento, simples mas radical, bania a imagem do artista dolente (pobre mas bem-sucedido, segundo Remedios Zafra)1 e reconhecia que a arte era, acima de tudo, um trabalho, e que, como tal, deveria estar sujeito a questões laborais das quais geralmente se mantinha afastado. Falou-se, então, de reformas, de salários mínimos, e da relação — transversal — entre a AWC e outras organizações sindicais.
A verdade é que a arte (permitam-me alguma generalização) tende a ser incluída nos chamados trabalho ‘virtuosos’ — Hannah Arendt, por exemplo2 —, nos quais o que se produz é a própria interpretação virtuosa e necessariamente visível. Paolo Virno3, seguindo a mesma linha, dá o exemplo de Glenn Gould para apontar como o trabalho virtuoso se conclui na sua exposição e, portanto, não se extrai do mesmo um produto tangível.
A realidade é que nesse preciso momento em que se completa a produção — quando produz uma mais-valia, em termos marxistas — durante a sua interpretação e apreciação por terceiros, oculta todo o processo anterior a esse momento performativo: coisifica-o, ocultando-se nele as relações laborais das quais surge, usando novamente a terminologia marxista clássica. No caso de Gould, o trabalho não é a sua interpretação das variações Goldberg, mas todos os infinitos trabalhos prévios que levam a esse momento.
No caso dos arquitetos, esta invisibilidade é duplamente peculiar. Em primeiro lugar, porque a própria disciplina (e sem dúvida muitos dos seus modelos educativos) gostava de usar a definição de trabalho virtuoso de Virno e Arendt, reduzindo assim o desempenho profissional à performatividade do projeto na sua visibilidade e, em alguns casos, à descrição interessada (e voluntariamente complexa) do autor. Segundo, porque essa performatividade simplifica tudo para o converter não apenas no produto final exposto, mas no discurso sobre esse produto final, ocultando todos os trabalhos e relações laborais que “caixanegrizamos”4 com deleite.
Só desta redução é possível entender que se continua a transmitir que o trabalho do arquiteto é exclusivamente aquele associado ao projeto, e que os orçamentos, as avaliações, as instalações ou a docência são “outra mais’ que nos é alheia; puramente alimentária. Uma coisa que distrai esse virtuosíssimo final (idealizado) que entendemos como única forma assumível de (auto)realização.
A verdade é que, como afirmavam os membros da AWC (em 1970!!), somos trabalhadores da arquitetura.
O nosso trabalho vai muito além da exibição coisificada de uma pequena parte de uma só das tarefas que podemos desenvolver. O triunfo do estado de bem-estar foi, em parte, o da transversalidade dos trabalhadores que entenderam que o comum era o trabalho, sem atribuir um valor mais alto aos diferentes desempenhos: o designer de automóveis no seu estirador ao lado do operário da linha de montagem.
Ou talvez o arquiteto projetista ao lado do perito que avalia, mede e orçamenta.
Zafra, Remedios. El entusiasmo: precariedad y trabajo creativo en la era digital. Coleção Argumentos 514. Barcelona: Editorial Anagrama, 2017.
Virno, Paolo. Gramática de la multitud: para un análisis de las formas de vida contemporáneas. Madrid: Traficantes de Sueños, 2003.
Usando o termo no sentido dado por Bruno Latour: ocultar, esconder, encerrar.