

AAVV, Arte Interior. Siza Vieira e o Desenho de Objectos, Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2019. Livro que parte da exposição com o mesmo nome realizada no Museu Nacional do Azulejo
Em 2014, aparecia num catálogo da cooperativa laCapell por 53,51 €
Numa viagem de verão a Lisboa, meio de trabalho, meio de férias, comprei um livro sobre os objetos desenhados por Álvaro Siza. Entre utensílios domésticos, mobiliário e iconografia religiosa e uma infinidade de azulejos «desenhados», apareciam uns pássaros chamados Bird XS em alumínio termolacado a preto e branco1.
Já há muito tempo que me sinto atraída pela ideia de prestar atenção ao porquê, assiduamente, de nós, arquitetos e designers, como Álvaro Siza, Ronan e Erwan Bouroullec, Kay Bojesen, Kristian Solmer Vedel, Isamu ou Charles Perdew, iconógrafos por Ray e Charles Eames, moldarmos pássaros.
Com a obsessão de quem intui que, ao explorar um caminho, encontrará uma razão de ser do que é irracional, comecei a investigar a iconografia das aves, pombos etruscos, falcões ptolemaicos, placas citas, águias bicéfalas, figuras de ouro muíscas, etc… Não encontrei nenhum motivo concreto ou conclusão clara além da atração pelas figuras zoomórficas desde a antiguidade até aos nossos dias. Mas todo esse trabalho levou-me a um paradoxo do design contemporâneo que ilustrarei refletindo sobre os pássaros que Vitra produz e vende.
L’Oiseau é um objeto decorativo de madeira lançado em 2011 e reeditado em cerâmica em 2019, criado pelos Bouroullec e comercializado por Vitra. Os autores definem-no como um “simples pássaro” com uma esmerada presença e que oferece uma companhia agradável. Partilham o fascínio pelas representações animais primitivas e contemporâneas, incluindo o seu pássaro dentro de uma linha de ação, de um registo que nos anunciam que continuarão a desenvolver.
Vitra oferece três pássaros decorativos no seu catálogo, o dos irmãos Bouroullec, que vende como peça austera e simples que foge das reproduções foleiras ou kitch, que estiliza e não é vulgar; os Resting Birds, criados pela equipa sueca Front, com os quais nos propõem ir além do puramente decorativo para entrar num mundo de sensações, e o seu grande êxito deve-se a ser uma réplica do pássaro popularizado pelos Eames nas fotografias que tiravam da sua casa e das suas peças de design. Vendem-no com o nome Eames House Bird, sem mencionar o artesão que o criou, Charles Perdew, apresentando-o como objeto decorativo industrial. No entanto, Charles Perdew, residente em Henry, Illinois, fazia pássaros e patos artesanais desses que Vitra classificaria como vulgares e kitch, caracterizados pela fidelidade ao animal representado e por terem olhos feitos com contas de vidro.
Isto conduz-nos aos paradoxos das grandes indústrias do design. Eles são capazes de publicitar na mesma página do catálogo um objeto e o seu oposto, o estilizado e o vulgar; vendem-nos como industrial o que foi feito à mão e cobram por um objeto industrial criado por um famoso arquiteto/designer, e não por um objeto artesanal exclusivo.
Os pássaros de Siza, mais próximos aos Strange Bird, esculturas de pedra de Noguchi, posteriormente reproduzidas em bronze e alumínio, atualmente são impossíveis de conseguir2. Esperemos que na sua reedição não alcancem os preços desorbitados nem as grandes contradições que outros pássaros têm.
AAVV, Arte Interior. Siza Vieira e o Desenho de Objectos, Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2019. Livro que parte da exposição com o mesmo nome realizada no Museu Nacional do Azulejo
Em 2014, aparecia num catálogo da cooperativa laCapell por 53,51 €