Fotograma de Del amor y otras soledades (Basilio Martín Patino, 1969)
“Muito moderno… muito bonito e muito moderno!”, elogia o chefe de Alejandro, ao que a sua empiriquitada esposa acrescenta, dirigindo-se a María: “Já para não falar do sol que entra por todos os lados! A parte negativa deve ser a distância…” Alejandro (Carlos Estrada) e María (Lucía Bosé), o casal protagonista de Del amor y otras soledades (Martín Patino, 1969), acabam de mudar de casa na periferia de Madrid, uma casa que, segundo reconhece Alejandro, “foi feita entre ela e o arquiteto, um intimo amigo”, e que parece mostrar melhor os gostos e aspirações da sua mulher do que os seus próprios, como recalça numa cena outro grande amigo seu: “O que ele fez com vocês foi experimentar para que ele pudesse aprender… deram-lhe muitas abébias! A mim quem me tira as casas de antes, tira-me tudo!”
Maria é proveniente de uma família adinheirada, veste peças de Balenciaga e não se contenta com o papel tradicional de mãe e esposa, dedicando-se à criação de vitrais e relacionando-se com intelectuais e artistas. Alejandro, por outro lado, teve de se esforçar muito para chegar a ocupar o cargo executivo na sua empresa, abandonando, por isso, um posto de professor universitário sem conseguir a tão desejada cátedra, e o seu ressentimento de classe impede-o de gozar essa vida burguesa pela qual tanto lutou.
Planta da Casa Lucio Muñoz, Fernando Higueras, Torrelodones, 1962-1964
Segundo todas as referências, a casa escolhida para ambientar a crise pessoal e conjugal dos protagonistas do filme de Patino, um dos realizadores mais singulares do chamado Nuevo Cine Español, é a realizada por Fernando Higueras em Torrelodones, em 1964, para os pintores Lucio Muñoz e Amalia Avia. Muñoz pediu a Higueras que lhe fizesse “uma casa que não pareça feita por um arquiteto…”, e o resultado foi uma edificação orgânica, adaptada ao inclinado terreno e integrada no meio utilizando “a pedra existente num curral da parcela, [e] vigas e vigotas pré-fabricadas da cor dos líquenes do lugar”. O programa desenvolve-se numa planta em forma de L com uma ala de quartos e outra de serviço e salas comuns, além de uma construção anexa onde está o atelier de ambos os pintores, que no referido filme é usado por Maria como uma oficina para as suas vitrines, embora secretamente Alejandro preferisse hospedar lá os seus pais.
Enquanto Del amor y otras soledades foi recebido com duras criticas, o que motivou Martín Patino a abandonar a ficção para se dedicar até à sua morte ao género documental, a Casa Lucio Muñoz obteve a Primeira Medalha de Arquitetura em 1966 e deu notoriedade a Higueras, sendo a primeira de uma série de habitações realizadas ao redor de Madrid durante as duas décadas mais frutíferas e valorizadas do arquiteto, que posteriormente sofreria um injusto esquecimento.
Planta da Casa Santonja, Fernando Higueras em colaboração com Antonio Miró, Somosaguas, 1964-1965
Estas habitações partilham uma estratégia compositiva baseada na estratificação de espaços e características formais similares, e talvez tenha sido devido a essa semelhança que nunca se tenha revelado que a Casa Lucio Muñoz não é a que o cineasta utiliza para filmar a maioria de cenas domésticas no filme, mas a Casa Santoja, construída em Somosaguas dois anos depois.
E o motivo desta confusão provavelmente nunca se venha a saber, nem sequer é importante: Higueras e Martín Patino foram rebeldes e livres, e nenhum gozou em vida o reconhecimento e a atenção que a sua obra e talento mereciam.
Texto traduzido por Inês Veiga.