O arquiteto, um snobe incompreendido
Ainda valerá a pena explicar?
(Quase um autoretrato)
A sociedade constrói o ‘arquiteto snobe’ de hoje em dia, e a mesma sociedade, destrói o público que se esperaria.
Perante esta ‘desarmonia’ quem estará a caminhar para o abismo? O arquiteto ou a sociedade? De que lado está o certo e o errado, e até onde se vão distanciar estas duas realidades.
Enquanto isso, o arquiteto não perde o rumo e ‘desenha’ um percurso aparentemente vazio que ‘veste’ um olhar, à partida, inocente.
O espólio arquitetónico e artístico deixado molda o arquiteto como personalidade polivalente. Indivíduo que manifesta fragmentos de saberes ao mesmo tempo que aparenta desinteresse- especialista em generalidades talvez, isto porque, a sua inspiração poderá vir, fingida ou naturalmente, de diferentes áreas do mundo do saber. Consequentemente, como (principal) requisito da profissão, advém a atenção desmedida ao que acontece à sua volta- uma manifestação do interesse em relação ao mundo exterior como testemunho de um mundo interior.
Na cidade, ele é o protótipo do ‘flâneur Baudeleriano’ – deambula na paisagem urbana sem um percurso definido 1 , sem comprometimentos nem propósitos nostálgicos do passado, perde-se no espaço e no tempo, sem nunca perder a sua identidade.
O olhar é crítico e sincero, a presença é discreta, mas intensa, a atitude é por vezes arrogante e inesperada, e os comentários irónicos e despretensiosos. Tangente à definição de ‘diletantismo’ proferida por Fernando Pessoa 2 na qual a simples curiosidade pelo superficial desce à essência das coisas. O arquiteto é passageiramente intenso e sincero com cada uma delas, vive profundamente, com o pensamento e a emoção todos os aspetos da realidade ilusória.
O tempo passa e reside a angústia de todos os minutos se ‘pulverizarem’ em cultura, não há tempos mortos e intervalos de descanso, quando chega esta fase em que arquitetura e vida se confundem. O arquiteto habita um lugar perto da loucura ‘discreta’ e ponderada, atrás do preto que veste, oculta a face ‘mais negra’ que o faz rejeitar a imensidão desinteressada e acrítica.
Ainda a propósito, ‘tropecei’ num livro que me fez avançar afincadamente com este ensaio. “Culture- meaning -Architecture” 3 expõe as reflexões críticas de Amos Rapoport, uma imperdível coleção de ensaios que incentiva o pensamento acerca das disciplinas da cultura e a sua relação com a forma construída e a experiência ambiental humana 4 .
Tal como a ignorância e o desinteresse propiciam a felicidade, a erudição é um vício que, à semelhança de outros, incentiva à insatisfação pessoal. Vendo o comodismo como obstáculo, o arquiteto enquanto artista conhece a intelectualização absoluta, que não sendo travada rapidamente levará ao esgotamento e à loucura.
A efervescência destes pensamentos é densificada por uma frustração que cresce diariamente: a consciência da incompreensão e desinteresse alheios, por o que é e o que faz. A culpa talvez seja do arquiteto, da descrença na felicidade eterna, da repugna ao típico comodismo e à novidade do culto do ‘vintage tecnológico’ que morre antes de nascer.
O snobismo com ‘pitadas’ de arrogância, que o presente texto expõe, nasce de um sentimento nostálgico do que não viveu, construiu e habitou. Perante a sociedade, o arquiteto é ignorado quando se torna colecionador de visões, espaços e experiências, ‘nómada’ no tempo e perspicaz no espaço.
Regressamos a um fim que não pede sensibilização, talvez compreensão será a palavra mais ‘simpática’ neste contexto. Compreensão por esta ‘manifestação’ intempestiva e ingénua que apresento… E quem pouco, de entre ‘nós’, se identificar com ela, é o produto da sociedade, que inocentemente, cria arquitetos que repudiam o preto e veneram a previsibilidade do que são e do que criam.
O arquiteto Ludwig Mies Van der Rohe (1886-1969)