Ativista Greta Thunberg
Já há alguns anos que investigo as relações entre arquitetura, urbanismo e mudança climática, e há muito tempo que penso que esta poderosa industria sem rosto, heterogénea e certamente desestruturada, mas com uma enorme responsabilidade e potencial na transformação do território à escala global, talvez pudesse liderar a expressão mais avançada e madura do mundo ao qual pertencemos.
Ao longo de todos estes anos, tem havido uma espécie de paradoxo francamente extravagante: enquanto os governos e as instituições internacionais reconhecem em uníssono, de maneira solene e corajosa, a magnitude do problema, e instando a agir de maneira urgente1, este não deixou de crescer, multiplicando os seus efeitos até se transformar em ameaça inquestionável para a vida humana tal e como a conhecemos até agora.
Talvez o mais extraordinário do caso não seja o silêncio cínico ou arrogante de muitos, nem a frustração ou a impotência de muitos outros, mas a gigantesca maquinaria gerada ao serviço de algumas mensagens grandiloquentes, mas inócuas, politicamente corretas mas inofensivas, como uma bolha de massagens e boas intenções imersa numa massa de ar cada vez mais irrespirável nas grandes cidades, uma massa de água cada vez mais poluída nos nossos oceanos, uma biosfera cada vez mais frágil para os nossos interesses como espécie.
Há apenas algumas semanas atrás, e de forma pouco previsível para o stablishment, surgiu um movimento estudantil certamente desconcertante e natural ao mesmo tempo, uma pontada surgida de um ângulo morto para o sistema, demasiado ocupado no amparo interminável da sua conta de resultados. Contra todos os prognósticos, um grupo de crianças e jovens europeus decretaram Estado de Emergência Climático, cessando os seus estudos da escola todas as sextas-feiras #FridaysForChange como forma de protesto pela inação do sistema perante os desafios coletivos que exige a mudança climática, bem como as suas repercussões socioecológicas.2
Faz sentido ir à escola sem ter um futuro? Em vez de estarem nas salas de aula, hoje os nossos jovens enchem as ruas, protestando sob o lema #ClimateStrike. Esta inesperada voz coletiva, ainda tenra e transparente, interpela-nos para dizer coisas muito duras, que pela primeira vez não esperam nada de nós, “adultos”, chamando-nos imaturos na cara, dizendo que no fundo não zelamos pelos nossos filhos – eles – e despedindo-se com um “não precisamos de vocês”; Lembram-nos que no ano de 2078 serão eles os avós de outra infância à qual contarão, sem dúvida, o que não fizemos agora, enquanto o tempo ainda não é um tempo póstumo.3
Alguns verão nisto uma bofetada insuportável, um efeito verdadeiramente cortante, raramente alcançado por adultos de prestígio, por quem uma boa parte da sociedade sente apreensão, desconfiança ou simplesmente indiferença. Outros estarão a rir às gargalhadas às custas das ocorrências das crianças e imbecis que nem sequer podem imaginar alguma repercussão, por mínima que seja, no decorrer das coisas. A verdade é que pouco ou nada importa a nossa solidariedade ou o nosso desprezo: eles têm toda a vida pela frente e, com razão, deixaram de ter esperança, tão novinhos, perante um sistema predador e excludente em âmbitos fundamentais como o acesso à habitação ou ao emprego, um sistema que condena os mais jovens à obesidade académica, ao emprego precário, à dependência familiar ou à sobre-exposição digital, tudo isto numa dinâmica global acelerada no aumento da desigualdade e na perda do equilíbrio ambiental. A pirâmide invertida da população europeia desmorona onde o seu apoio é mais fraco, onde as crianças representam uma minoria que se revolta contra a clara incapacidade dos mais velhos da velha Europa. Queremos acudir a emergência climática desde a escola, dos escritórios, dos cenários dos grandes auditórios e assembleias; enquanto isto, a esperança de qualquer mudança talvez nidifique entre as pastas, os cadernos de desenho ou as canetas coloridas nos estojos. Pode ser que as crianças nos guardem o clima na mochila.