As arquitetas, o Pritzker e outros prémios

Texto da Inés Moisset

Quando a British Society of Artists and Designers premiou, em 1967, Charles Eames, Ray, a sua sócia desde 1941, só recebeu uma rosa vermelha.

No próximo mês de março, a Fundação Hyatt voltará a entregar o prémio Pritzker, o mais divulgado da arquitetura. Apenas três mulheres acederam ao mesmo no total das suas 41 edições. A iraquiana Zaha Hadid foi a primeira a obtê-lo em 2004 e a única que o recebeu a título individual. Em 2010, a japonesa Kazuyo Sejima foi a segunda galardoada. Nessa ocasião, pediu que o prémio lhe fosse entregue em conjunto com o seu sócio Ryūe Nishizawa. E, finalmente, a equipa catalã RCR, composta por Carme Pigem, Rafael Aranda e Ramón Vilalta, foi reconhecida em 2017. Carme é a única que é mãe das três premiadas.

Em pelo menos três ocasiões anteriores, o Pritzker foi entregue em solitário ao sócio varão. O caso mais conhecido é o de Denise Scott-Brown, sócia de Robert Venturi (Pritzker 1991), com quem há mais de 26 anos assinava conjuntamente as obras. Denise teve coragem de enfrentar o sistema e protestou firmemente contra a sua exclusão. Primeiro, não compareceu à entrega do prémio. Posteriormente, escreveu textos como Sexism and the Star System in Architecture (1989), onde denunciava a situação. Numa entrevista, faz referência a Lord Palumbo, membro do júri do prémio Pritzker“… ele é realmente um burro. Disse: “Não é possível reescrever a história”. A resistência por parte da organização do prémio em admitir o erro põe em evidência a retinência das estruturas patriarcais presentes. Um grupo de estudantes da Universidade de Harvard iniciou uma petição em Change.org para que se concedesse o prémio de maneira retroativa em 2013. Conseguiram mais de 20 000 assinaturas, entre as quais se encontravam arquitetas e arquitetos de enorme prestígio e fizeram com que jornais como o The New York Times falassem e o problema da exclusão ganhasse visibilidade. Scott-Brown foi premiada posteriormente por outras instituições importantes, mas continua sem receber o seu prémio Pritzker. A fundação também não quis reconsiderar a atribuição do prémio 2014 a Richard Meier, implicado em casos de assédio e agressão sexual, e preferiu não fazer comentários “sobre a vida privada dos nossos galardoados”.1

Em 1986 o Pritzker foi entregue a Gottfried Böhm e não à sua sócia e esposa, Elisabeth Haggenmüller. Entre 1950 e 1959, Elisabeth passou a maior parte do tempo a ter e a criar os quatro filhos do casal, embora tenha estado sempre ligada à vida profissional. A partir de 1959 retomou o seu trabalho, começou a desenvolver os seus próprios projetos e o atelier passou a chamar-se Böhm. Ou seja, no momento de receber o prémio, já há trinta anos que projetavam juntos.

O prémio foi atribuído a Wang Shu em 2012 e não a Lu Wenyu , a sua sócia em Amateur Architecture Studio durante 25 anos. Embora ela tenha deixado claro que se tinham unificado, e que ele tenha reivindicado o reconhecimento para ambos, Lu preferiu não recebê-lo, esclarecendo numa entrevista que a arquitetura que fazem “é a que ele sempre quis fazer”. Além disso, manifestou as dificuldades de conciliar profissão e maternidade: “quero uma vida e prefiro passá-la com o meu filho.” disse.

São escassas as mulheres que fizeram parte do júri dos Pritzker e pertencem na maioria ao âmbito da critica arquitetónica. Na atualidade, dos sete membros do júri, dois são mulheres. Kazuyo Sejima e Benedetta TagliabueSerá que algum dia serão 50%?

A dinâmica do Pritzker repete-se na maioria dos outros prémios de arquitetura, como o Praemium Imperiale, a AIA Gold Medal e os prémios onde em cada país reconhece os seus melhores criadores.

Em 2013, a Academia de Arte da Saxónia anunciou a Matthias Sauerbruch como vencedor do Prémio Gottfried Semper. Perante o protesto do arquiteto pela omissão da sua sócia, Louisa Hutton, a instituição repassou o seu regulamento, que indicava que o prémio deveria ser dado a uma só pessoa, e acabou por reconhecer ambos.

No final do ano passado, a petição de reconhecimento de Doriana Mandrelli, sócia de Massimiliano Fuksas, a quem o Istituto Nazionale di Architettura atribuiu o Prémio Carriera Architettura a título individual, tornou-se viral.

Atualmente, o coletivo Part W promove uma iniciativa para criar uma alternativa exclusivamente feminina à lista predominantemente masculina de vencedores, a Royal Gold Medal do RIBA. Desde que se atribuiu pela primeira vez, em 1848, houve 165 galardoados masculinos, mas apenas uma mulher e três equipas mistas.

Os promotores dos prémios defendem-se com o argumento de que os prémios são dados de acordo com os méritos. É possível diferenciar dentro das equipas de trabalho de quem é o mérito e de quem não? Querem com isto dizer que as mulheres não fizeram contribuições relevantes no campo da arquitetura? O desprezo pela metade da inteligência do planeta confirma-se nestas escolhas. O sistema de prémios faz parte de uma estrutura patriarcal que se revela na falta de referentes femininos na etapa de formação das arquitetas, na dificuldade em encontrar trabalho nos ateliers, na falta de reconhecimento de tarefas reprodutivas (e a falta de compromisso dos homens nessas tarefas) e na ausência de vozes representativas das mulheres como autoridades de instituições, conferencistas e membros de júris. Está na hora de desconstruir o sistema, de repensar desde o que significa ter mérito ao que é arquitetura.

Inés Moisset, Argentina, Março 2019


Texto traduzido por Inês Veiga

Deja un comentario

Tu correo no se va a publicar.

Últimos posts