Fotografia © Luis Asin
Cáceres é uma complexa cidade cujo centro histórico estava construído como uma aglomeração de bonitas casas-palácio e igrejas, a maioria acabadas em cálidos granitos e rebocos à cacerenha. Após a guerra civil, os restauradores oficiais do regime descobriram a alta expressividade dos muros de quartzito que tinham perdido o reboco, e decidiram impor uma disciplina que reivindicava uma estética expressionista baseada nestes muros descarnados, quase torrões ciclópicos de quartzito e argamassa de cal. Uma estranha decisão tomada por alguns que, ao longo dos anos, se tornou na imagem de marca, quase surreal, da bela cidade da Extremadura espanhola.
Neste ambiente enigmático, sobre um conjunto de três edifícios de diferentes épocas, construímos, há sete anos atrás, o Relais Chateaux Atrio. Para isto, tivemos que reabilitar, com algum sofrimento pessoal, os velhos muros existentes, introduzindo um novo ser vivo, capaz de se acomodar, como um caranguejo eremita, dentro da carapaça pétrea de outro animal.
E, como acontece com os livros, um projeto leva a outro… Um dos proprietários da empresa que forneceu o betão branco para o hotel Atrio ligou-nos, anos depois, para pedir uma casa para a sua família. Culto e otimista, propôs-nos um curioso programa conceitual para o seu novo projeto: “Queremos uma casa onde, quando estivermos fora, tenhamos o desejo de estar dentro… e quando estivermos dentro, tenhamos a necessidade irrefreável de estar fora.”
Com este estranho programa conceitual como ponto de partida do projeto, enfrentámos o pedido de construir uma casa numa das poucas urbanizações genéricas que rodeiam a cidade de Cáceres.
A casa que construímos, Carlos Martínez Albornoz e eu, para o nosso amigo comum domina com discrição o lugar, deitando-se na encosta natural do terreno, ao lado de alguns belos carvalhos centenários, e abrindo os olhos para a paisagem e para a cidade de Cáceres. A partir desta posição dominante, a casa procura respeitar o ambiente natural-artificial, estabelecendo ligações formais e construtivas, talvez de forma irónica, com o centro histórico de Cáceres.
Na sua ajustada dimensão, a casa quer ser um palácio para os seus utilizadores, afirmando este nobre caráter através de uma extrema simplicidade na sua organização, e uma rigorosa construção tradicional no seu volume.
Toda ela construída em quartzito de Cáceres, a casa manifesta-se como um simples volume prismático de planta quadrada, com três aberturas quadradas a cada lado, todas elas emolduradas com granito estremenho de tons cálidos.
No interior, as nove divisões cúbicas permitem acolher, sem muitas diferenças formais, os diferentes usos da habitação: salas de estar, quartos, cozinha e sala de jantar. Entre estas divisões encontram-se todos os espaços servidores da casa, como os armários e as casas de banho.
Com uma distribuição quase palladiana, a casa quer ser um pequeno palácio que reivindica a sua referência direta à cidade histórica de Cáceres, e que procura dar visibilidade ao desejo contemporâneo de entender a casa como cidade e a cidade como casa. E, a partir de um intencionado jogo de oscilações permanentes entre o objeto autónomo da arquitetura e o sujeito ativo que a utiliza, a casa situa-se algures entre o natural do abrigo e o artificial da geometria, construindo assim uma pequena arquitetura na qual o tempo quer ser mais importante que o espaço.
E, do exterior da casa-palácio, pode-se apreciar o centro histórico de Cáceres, estabelecendo uma irónica simetria material entre esta pequena construção e as antigas fábricas de pedra do centro histórico, aquelas que impuseram uma forma de construir que nós intuímos alheia aos nossos interesses, e que hoje nos permitiu realizar esta atemporal casa-palácio para que os nossos amigos queiram estar fora quando estão dentro, e dentro quando estão fora.