ana asensio

Caleidoscópio do Voluntariado

Dizer “voluntariado” é apelar à ambiguidade de um conceito com muitos pontos de vista possíveis, numerosos métodos diferentes, mas uma coisa em comum: a sua valoração superlativamente positiva. Como o tema é extenso para um texto breve, concentrar-me-ei num ponto: o voluntariado na cooperação internacional. Este (também ele) extenso campo dividi-lo-ei em três: o voluntariado técnico ou especializado (ou a exploração encoberta), o voluntariado não profissional (mais equilibrado), e as “experiências de voluntariado” (ou férias norte-sul).

Comecemos com as últimas, as mais vergonhosas. Aqui entrariam aquelas empresas encobertas que exploram ao máximo um cocktail de patologias humanas infalível: o complexo de “salvador branco” (“calma, já estou aqui; vim para ajudar”), a necessidade de valoração externa (“que valente, que solidário”), o aborrimento (“necessito viver experiências”), a busca pessoal (“não vemos as coisas como elas são, mas como somos”, e demais lorpices); e, obviamente, o capital. O resultado é a venda (sim, há que pagar!) de experiências de voluntariado com um elevado custo, do qual as comunidades anfitriãs recebem pouco e a empresa muito. Estas são divulgadas através do recurso à solidariedade, que tranquiliza pela sua segurança e se transforma pela sua “realidade”. Daí, os filhos dos nórdicos, jovens (ou não tanto), regressam plenos, maduros, com vasto conhecimento do mundo e sendo pessoas melhores. “achas que vais ajudar, e, quando voltas, percebes que recebeste e aprendeste mais ainda com eles…” (classic!).

O segundo caso é mais equilibrado. São projetos em desenvolvimento, financiados e com pessoal contratado, que também incluem uma série de vagas de voluntariado que não exigem uma especialização, mas sim maturidade, e uma relação com o campo no qual se desenvolve, ou com as organizações que o promovem. Estas vagas podem servir para apoiar as relações bilaterais entre a associação financiadora e a contraparte. As condições de manutenção, alojamento e horas dedicadas também são mais equilibradas, e pode-se perceber que compensa a ambas as partes, que não há lucro nem aproveitamento de profissionais para a falácia de “sem fins lucrativos“.

O terceiro caso surge da necessidade de pessoal qualificado para desenvolver um projeto, mas partindo da base que, como isto é cooperação e todos somos muito solidários a favor de um bem maior, esse pessoal não tem que cobrar. Vemos então ofertas nas que se solicita um arquiteto para uma direção de obra, para realizar um projeto de execução, ou para a implementação de medidas marcadas pelos objetivos de cooperação, mas que não dão nada em troca; às vezes nem sequer pagam as despesas. Nessa contradição constroem-se, por um lado, projetos que melhoram as condições de vida das pessoas, enquanto, por outro, se normaliza a precarização dos perfis profissionalizados nesse campo.

Porque essa é outra questão: a Cooperação Internacional é uma especialização, uma capa sobreposta à nossa formação técnica. Eu considero-me uma pessoa sensibilizada, que sempre andou de mãos dadas com as causas necessárias; no entanto, até fazer a pós-graduação em assentamentos humanos precários e habitabilidade básica, não me apercebi de tudo o que ainda tinha para aprender, e todos os erros que teria cometido agindo exclusivamente com a minha formação básica como arquiteta, apesar do background internacional e da consciência pelas problemáticas humanas. A frase “oferta de voluntariado: arquiteto” é em si uma paradoxa linguística. Deixemos claro que, se estás à procura de um perfil com vasta formação especializada, não podes pedir que seja um voluntário. Se não pagas, não “ofereces”, com o qual é melhor eliminar o termo “oferta”.

Os meios vulneráveis não são um pátio da escola para que andemos a procurar verticalmente “experiências de vida”. As ONGs e fundações que se alimentam do recurso do voluntário e da exaltação do altruísmo, enviando das duas, uma: ou perfis profissionais precários, ou pimpolhos verdes sem experiência de campo nem vinculação real, merecem uma revisão com lupa, a dúvida e a crítica. E as comunidades recetoras merecem maior respeito, já que não são cobaias da nossa falta de formação, precarização ou necessidades espirituais.

Por:
(Almería, 1986) Arquitecta formada entre Granada, Venecia, Londres, Santiago de Chile y Madrid. Especializada en memoria y arquitectura popular (tesina de investigación, UGR), Asentamientos Humanos Precarios y Habitabilidad básica (postgrado UPM), realiza un activismo por investigación, documentalismo, divulgación y acción cultural, especialmente centrada en la experimentación arquitectónica, la cultura contemporánea y el medio rural.

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