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Para conformar a humanidade na sua capacidade verdadeiramente abrangente na dimensão de género, os movimentos das mulheres e a análise filosófica feminista tornaram visível eticamente a alienação que nos sobre identifica às mulheres com os homens e os seus símbolos, e desidentifica aos homens das mulheres e os seus símbolos.
A visibilidade moderna das mulheres, a participação social ampliada e a própria reivindicação humana, definem o empoderamento e o poder das mulheres e estabeleceram um estado de crise para o paradigma do mundo patriarcal. O universal símbolo imaginário e político do que é humano, o ser, o sujeito, deixa de poder expressar apenas aos homens e ao que é masculino, numa clara hegemonia simbólica e política masculina. O desejo vindicativo das mulheres não implica a exclusividade ou a supremacia das mesmas e do feminino. A voz humana contém ambos os géneros e a critica ao seu estado atual: as condições de género de cada categoria social, os modos de vida das mulheres e dos homens e as suas situações vitais, bem como o conteúdo político de dominação-opressão das relações entre ambos os sexos 1 .
O Urbanismo com perspetiva de género procura falar, pensar, observar, analisar, planificar, projetar e manter as cidades de e para as mulheres, mas não de forma exclusiva ou excludente. A perspetiva de género não se baseia em considerar as mulheres nem como minoria nem como grupo homogéneo ao qual atender. A perspetiva de género coloca a mulher no centro como um agente ativo de direitos e, nesse sentido, como criadora de cidades. Um urbanismo com perspetiva de género procura concentrar-se nas tarefas tradicionalmente atribuídas às mulheres, e que não foram tidas em conta nem pelas políticas nem pelo planeamento urbano. Isto não significa, nem pouco mais ou menos, perpetuar os papéis designados, mas sim uma das maneiras de quebrar com a atribuição de papéis excludentes é equiparar as necessidades derivadas das tarefas da reprodução com os da produção, mudando assim a infravaloração sobre estas tarefas. Ou seja, que a valoração das tarefas da reprodução seja igual às da produção, o que implica dar prioridades e orçamentos.
“A desigualdade entre mulheres e homens e a opressão de género têm sido sustentadas por mitos e ideologias dogmáticas que afirmam que a diversidade entre mulheres e homens contém nela própria a desigualdade e que esta última é natural, a-histórica e, consequentemente, irremediável. A nomeação das mulheres nos humanos pressupõe reconhecer que as diferenças entre mulheres e homens são de género e não apenas sexuais. Os movimentos sociais têm insistido na equidade, no reconhecimento de que a desigualdade foi construída e não é natural, e na necessidade de realizar ações afirmativas concretas para alcançar a paridade entre ambos os géneros”2.
A perspetiva de género evidencia os cuidados, os trabalhos de reprodução da vida, tarefas desprestigiadas e desvalorizadas pela sociedade patriarcal e que, no entanto, sem essas tarefas, nada mais pode existir. Sem os cuidados, não existiríamos. Se nos recentramos na vida, ser-nos-á permitido recuperar o nosso planeta, mudando o rumo tomado por uma sociedade extrativista e “mercantilizadora”, que, como explica Silvia Federici 3, é uma sociedade baseada na exploração da natureza e das mulheres. É um grande desafio ousar pensar além do monetariamente utilitário para deixar de planificar territórios e cidades que esgotam o nosso tempo finito em percursos inúteis ou exclusivos.
A atenção na vida, nas vidas propostas pela perspetiva de género, permite-nos entender que os seres humanos são diferentes, e que essa diferença não significa obrigatoriamente desigualdade. Abordar as múltiplas diferenças na hora de projetar políticas, cidades, arquiteturas ou objetos permite uma maior igualdade, já que a presunção de uma pessoa mediana, equidistante, só reforça negativamente as diferenças, ou seja, que potencializa a desigualdade, uma vez que os resultados dessa média só serão úteis para aqueles que estão, estatisticamente, acima.
O reconhecimento das diferentes maneiras de usar o tempo e o espaço, que deriva da divisão dos papéis de género, é um dado que nos permitirá trabalhar em políticas urbanas mais inclusivas, que tendem à igualdade de oportunidades no acesso ao direito à cidade. Assim, mapear e medir trajetórias, tarefas, tempos, razões e modos de mobilidade é uma primeira ação de visibilidade e de reconhecimento de diferentes necessidades para atestar as propostas urbanas com um sentido.
A aplicação da perspetiva de género não resulta de uma ou de outra forma especifica, reconhecíveis a priori, nem através de ações necessariamente de grande impacto ou de grande gesto. Como tal, muitas vezes são atuações que parecem invisíveis, mas que com a sua utilização quotidiana da cidade, tornam-se imprescindíveis para a qualidade de vida e para a autonomia das pessoas.