Referência a Community em Rick and Morty, episódio 2×04 Assimilação Autoerótica
Cada ano, as 33 Escolas de Arquitetura de Espanha preenchem as suas aulas com aproximadamente 3000 novos estudantes1. Apesar da crise e do desprestígio sentido na nossa profissão, a arquitetura continua a ser um dos cursos mais procurados pelos alunos finalistas do secundário2.
No decorrer deste curso, a parte final de uma das minhas aulas tornou-se numa espécie de “Tudo o que sempre quis saber sobre a profissão de arquiteto e que nunca me atrevi a perguntar”. Os meus alunos do primeiro ano, assim que começaram a fazer as primeiras entregas, a realizar os primeiros exames e a passar noites sem dormir, viram que a profissão para a qual estudavam não era exatamente o que pensavam antes de chegar à universidade. Então, soltaram uma rajada de perguntas que todos, sem exceção, nos fizemos no nosso primeiro ano de faculdade. Se me dão licença, farei uma análise numa versão atualizada:
1.- Um arquiteto ganha muita dinheiro, né?
Tenho uma má noticia para vocês… Não só não ganha muito como também há imensos que nem sequer ganham nada pelo seu trabalho. A precariedade do mercado laboral e o fagocitar da profissão fizeram com que muitos recém-formados acabassem como “entusiastas colaboradores”, que desenvolvem projetos em ateliers e que pelos quais não recebem nem um cêntimo.
2.- Mas… um arquiteto pode chegar a ganhar 1.000.000€ por um projeto, certo?
Vamos lá ver, façamos contas. Vamos supor, sendo otimistas, que esse milhão de euros corresponde a 5% de honorários3 de Projeto e Direção de Obra. Falamos então de um projeto de uma envergadura considerável, à volta de uns 20 milhões de euros de orçamento. Que tipo de projetos pode chegar a estes valores orçamentais? Assim de início, nenhum ao qual um arquiteto recém-intitulado tenha acesso, ou sim, mas um de mil.… Um edifício com 200 habitações? Um equipamento médio? Como se houvesse um destes todos os dias. É realista pensar neste tipo de projeto como algo comum entre os profissionais? Lamento, mas não, não é.
3.- Quanto é que se ganha por projetar uma casa?
A primeira coisa que se deve ter em conta são as despesas (já falámos disto antes) no valor de cerca de 600 euros, simplesmente por manter o estaminé aberto. Consideremos o caso de uma unifamiliar, cujos honorários são de 12.000€ pelo Projeto (60%) e pela Direção (40%). Se tudo corresse extraordinariamente depressa, desde o pedido do projeto até à obtenção a licença já com o projeto acabado, passariam uns 4 meses, o que significa 2400€ de despesas fixas mais 1500€ em vistos, seguros, visitas, impressões, etc…. três mil euros, para arredondar. Dos 7200€ correspondentes ao projeto, já só temos 4200€. Parece que até aqui tudo bem. Mas volto a insistir, só parece. Quando dividimos este valor pelas horas de trabalho dedicadas (imaginemos umas 360 horas), apercebemo-nos que não chega nem a 12€ à hora. Mas é que, se vemos a parte da Direção de Obra … por um trabalho que tardará pelo menos 12 meses, receberemos menos de 400 por mês, que, caso a obra esteja longe ou se atrase um pouco, se calhar ainda se tem de pôr dinheiro do nosso bolso.
4.- Mas pelo menos o arquiteto trabalha numa coisa que gosta, certo?
A maior parte do tempo sim, mas, como em qualquer trabalho, há dias que sim e outros que não, e esta é uma profissão repleta de alegrias e penas. É uma profissão apaixonante e absorvente. Os que gostam podem chegar a ser tremendamente felizes, mas não são poucos os casos daqueles que acabam por abandonar e de se dedicar a outra coisa (de arquiteto a padeiro, por exemplo), o que não tem nada de mal, por um lado.
5.- Mas há trabalho na área?
Sim, há. Não tanto como alguns podem pensar, mas sim. Uma das melhores coisas da profissão é que, por ter uma formação tão ampla, existe a possibilidade de dedicar-se muitas coisas diferentes (aqui estão 50, desde Arquiparados). Fazer projetos de habitação de obra nova é uma delas.
Estas são só 5 das muitas perguntas feitas esta mesma manhã. Pelos vistos, as aspirações e a imagem que se tem sobre os arquitetos não mudou muito por parte daqueles que começaram os seus estudos nos últimos anos. Se isto é bom ou mau, prefiro que sejam vocês a avaliar… embora uma coisa também tenha clara, esta geração vem mais desenrascada que muitas das precedentes. Até que enfim!!
Texto traduzido por Inês Veiga