Um artigo multilingue com muitos itálicos.
Neste país burlesco como o é Espanha, mas não só, temos o hábito – cada vez mais frequente – de usar a terminologia originária da língua de Shakespeare, mas que bem nos poderíamos expressar igualmente se usássemos a de Cervantes. Talvez sejam coisas da globalização, não sei… Ou talvez seja por essa facilidade que tem o inglês de transformar qualquer coisa num verbo. Ou talvez pelo espectador compulsivo de séries em V.O.; seja como for, faço-vos saber que não me converterei num grammar-nazi (ups!) nem num syntax-taliban (ups, I did it again!); Entre outras coisas, pois, como poderão observar, não é o estar alheio a esta circunstância que o leva a titular em inglês e a utilizar termos alienados às sacrossantas (agora já não tanto) paredes da Real Academia.
No entanto, e independentemente de que se use esta moda como forma de sintetizar, ou porque queremos referir alguma coisa que originalmente vem do inglês ou mesmo por puro snobismo epater le bourgeois (porque, como é de conhecimento de todos, para le bourgeois tudo isto é very difficult ), existe uma versão um pouco mais perversa desta prática, cujo objetivo não é tanto o de surpreender pela maneira verborreica mas o de – let’s be honest– enganar. Assim, vemos aparecer ao nosso redor lofts que, verdade seja dita, nada mais são que apartamentos – malfeitos – sem divisórias (em alguns casos nem sequer na casa de banho.True story).Ou Layers, que não passam de capas amontoadas. Ou comissários transformados em curators e, na versão extremista do assunto, internships, que são basicamente explorações laborais da velha guarda e que – agora – são muito melhores do que os desastrosos estágios, tirocínios ou meritórios, de raízes tão profundas no nosso imaginário laboral pátrio (modo irony on).
Melhores no papel, claro está. Enfim, a verdade é que são os mesmos de sempre, mas com uma maquilhagem proporcionada pela mudança de idioma. Sem ser necessário indagar demasiado, descobrimos que uma internship normalmente é a versão glam de um trabalhador precário e/ou explorado pela economia paralela mudando simplesmente de venue: de armazém recôndito no parque industrial da periferia a atelier de arquitetura mais ou menos de design trendy &cool.
E pior é que esta má camuflagem, esta venda de fumo tóxico que consiste em emperiquitar o que ao natural nos parece repulsivo, não é tanto a questão da redefinição terminológica, mas o autoconvencimento, atrelado ao processo, pelo qual renomear a realidade é transformá-la até à sua deformação mais distópica. Para ser claros: aos estagiários explorados, escondíamo-los (literal e metaforicamente), mas aos “interns” – não remunerados porque estão a demonstrar o seu commitment para com a empresa -, exibimo-los com a imprudência e o desalento de quem fica bem-visto ao dizer que o seu sweatshop é uma international experiencie.
Como se pode ver, a quem não se entregue ao banal wishful thinking, a irrealidade far-vos-á sofrer as consequências. E fá-lo-á no momento dessas mesmas consequências.Palavras maravilhosas como Underbudgeting, dumping, e outras que – agora sim – não pretendem ocultar nada, mas que revelam, claramente, que alguma coisa cheia mal numa estrutura laboral onde as execráveis atitudes que a todos nos prejudicam, não só não são rejeitadas nem insultadas, mas que são, até, toleradas – e até aplaudidas – com uma indolência surpreendente.
Ao final, não somos tão naïfs; está claro que nestes países tão nossos, o business sempre foi o business.
O pior é que agora o business, no caso de Espanha, é o bisnes na Real Academia de la Lengua (A Real Academia reconheceu o estrangeirismo bisnes como sinonimo de negócio). Uma coisa perfeitamente normal, ora essa! Talvez seja eu que já estou a ficar velho ou que me esteja a converter num sindicalista ao que as gracinhas sobre slaves e interns já não me fazem graça nenhuma, mas olha, cá o de trabalhar grátis… não o desejo nem como amigo colorido…