Pavilhão Serpentine Gallery de Londres, projetado por Yona Friedman
Yona Friedman morreu. Faleceu no passado dia 20 de fevereiro deste convulso 2020 com 96 anos “vividos” que, de acordo com Séneca, não é o mesmo que “cumpridos“.1
Arquiteto nascido em Budapeste, emigrado após a Segunda Guerra Mundial em Haifa (antiga Palestina) e finalmente residente em Paris durante a maior parte da sua vida adulta, quis o destino que nos conhecêssemos em junho de 2016, quando viajou até Londres para inaugurar um pavilhão na Serpentine Gallery.
Para dizer a verdade, o destino teve a ajuda da minha plena admiração pelo seu conceito de Europolis, e o facto de ter cimentado o meu programa Little Architect nos seus postulados pedagógicos e o seu pedido aos arquitetos para que estes eduquem a sociedade com conhecimentos de arquitetura, dando-lhes, assim, liberdade para transformar as suas habitações e capacitando-os para transformarem as suas cidades.2
A Metrópole Europe ou Europolis consiste na construção de um território onde seria possível trabalhar e habitar cidades e aldeias pequenas ligadas por uma rede de comboios de alta velocidade muito eficiente, onde as deslocações até à grande cidade seriam escassas e pontuais. A sua teoria baseia-se na otimização das capacidades que as redes e a tecnologia nos outorgam para que o teletrabalho se generalize, as comunidades rurais se revigorem e a conciliação familiar seja possível, ou seja: que sejamos nós a criar os nossos filhos e não as instituições educativas das 8 às 18h. Na linha deste último, existe um capítulo do livro Happy City, de Charles Montgomery, em que o mesmo relaciona as longas deslocações de casa ao local de trabalho e a ausência de ambos os progenitores em casa com a infelicidade, a depressão na infância e a dependência de drogas e criminalidade na juventude. Este livro e este tema dão, sem dúvida, para outro post.
Ao trabalhar a partir de casa e não passar horas e horas nas filas de trânsito para aceder ao nosso local de trabalho multiplicaria o nosso tempo de laser, as possibilidades de nutrição intelectual e diminuiria a poluição ambiental. Este cenário soa-vos?
Yona Friedman faleceu precisamente antes de que a crise de saúde pública do COVID19 tenha posto em prática, de maneira brutal e sem concessões, o teste, os pilares da sua abordagem teórica.
No “Pós-guerra” que se assoma, as nossas cidades não precisarão de arquitetas e arquitetos para reconstruir os seus edifícios, infraestruturas ou ruas, mas deveríamos sentar-nos já, hoje, a falar com a nossa classe política para analisar os benefícios que o teletrabalho prendou no que diz respeito à redução de mobilidade e, por consequência, à diminuição de emissões de C02 na atmosfera, redução de tempo improdutivo e, sobretudo, o aumento do tempo dedicado aos nossos filhos e filhas, e a nós próprios.
A Metrópole Europe de Friedman quer evitar as Macro Cidades insalubres e desiguais e criar um cenário residencial e laboral disseminado por um território ultraligado, que permita deslocações rápidas, e só quando seja estritamente necessária a presença física. Senhores Ministros, seria bom que analisássemos a crise do Coronavírus em termos ambientais.3
Aquela festa da Serpentine alongou-se e não só se deslocou para meu bel-prazer até à casa do grande Richard Rogers, onde se ouvia La Bamba e cheirava a chocolate fundido, como também tive o honor de, graças à Marianne, filha de Yona, poder manter correspondência até à bem pouco tempo, na qual partilhávamos ideias sobre a educação das crianças e jovens em matéria de arquitetura, liberdade e amor, para melhorar este nosso mundo em crise climática e anímica.
DEP e um “Viva!” eterno para o generoso Friedman.
Texto traduzido por Inês Veiga