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Muñoz Molina, La música perdida. A.2018. 

Projetar: Both Directions at Once

CD COLTRANE Y GILBERTOGIL

É frequente que coisas quotidianas singulares nos ajudem a refletir sobre aquilo em que consiste o projeto de arquitetura. A música contida num CD pode muito bem ser um exemplo disso.

Recentemente foi publicada uma gravação de uma sessão de estúdio do quarteto clássico de John Coltrane, do baterista Elvin Jones, do pianista McCoy Tyner e do baixista Jimmy Garrison, chamada “Both Directions at Once”, do dia 6 de março de 1963. Devemos a Antonio Muñoz Molina o ter-nos recordado a explicação do título do disco num dos seus artigos1, em que refere o conselho que Coltrane costumava dar a Wayne Shorter para desenvolver um tema musical: “começa uma peça mais ou menos a meio e, a partir daí, avança ao mesmo tempo, para a frente e para trás, both directions at once”.

Não será essa, também, a tarefa do arquiteto, a de avançar precisamente nas duas direções ao mesmo tempo?

Avançar in both directions at once é projetar uma espécie de espaço descontínuo, cuja estrutura fica suspensa no lugar a partir do qual se projeta uma obra arquitetónica em conjunto, desenvolvendo para trás, com a memória e aprendizagem do passado, inevitáveis referências fundamentais onde orientar-se, e para  a frente, propondo novos caminhos e intenções, em cujo percurso se tecem ambas as direções. Projetar é, efetivamente, criar “both directions at once”.

Talvez em breve esqueçamos o tempo de escuta com a capa de um CD nas mãos, olhando absortas as suas letras, relendo os seus créditos, ou realmente ensimesmadas pela capa cuja imagem resume eficazmente o sentido do álbum.

É o caso de Parabolicamará, o disco de Gilberto Gil (1992), publicado com a capa desenhada pelo artista gráfico e cenógrafo Gringo Cardia: uma parabólica de verga, manufaturada e transportada sobre a cabeça por uma mulher.  Tendo ele também desenhado a cenografia de “Midnight’s Summer Dreams”, do realizador alemão Werner Herzog, ilustrava com esta imagem a música de Gilberto Gil, um tecido transcultural que une música, design, cinema, política e sociedade, onde vemos, ouvimos neste caso, simplesmente, arquitetura.

Esta imagem do CD é uma eloquente metáfora do projeto de arquitetura: feito com as mãos, como o paradoxal entrançado da verga da parabólica, carregado sobre a cabeça com uma eficaz leveza, para ligar poeticamente o mais próximo e imediato, cultura material e técnicas locais, com a informação que nos situa num mundo. Como canta Gilberto Gil,

“Antes mundo era pequeno”

Porque Terra era grande

Hoje mundo é muito grande

Porque Terra é pequena”.

Notas de página
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Muñoz Molina, La música perdida. A.2018. 

Por:
Co-fundadora del Estudio de Arquitectura MEDIOMUNDO Arquitectos y jurado en la VII Edición Arquia/Próxima 2018-2019, representante de la zona sur. Doctora arquitecta (ETSA Sevilla) y profesora de proyectos arquitectónicos desde 2007 en la misma escuela. Es coordinadora y profesora de Cátedra Blanca Sevilla, desde 2007.

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