É domingo. Chego cedo, pelo que decido esperar uns minutos na rua. Após uma breve espera, um táxi encara a Rua do Aleixo e para à frente do número 53, onde eu estou. Do seu interior, com um movimento cansado, mas ágil para os seus 85 anos, desce Álvaro Siza. Aceitou receber-me no seu atelier, sugerindo domingo ‘porque o atelier está tranquilo e podemos falar melhor’.
O taxista despede-se com um ‘Obrigado, Mestre’ – costuma-se dizer que Siza é como o Cristiano Ronaldo, o único português vivo conhecido fora de Portugal –. Antes de fechar a porta do carro, sem ter tempo para ver de onde saiu, já tem um cigarro aceso na boca.
Convida-me para entrar com ele pela porta da garagem que dá acesso diretamente ao elevador.
O atelier está num edifício projetado pelo mesmo, onde, entre outros, arquitetos como Souto de Moura e Fernando Távora (atualmente do seu filho, José Bernardo) também têm o seu atelier. Antes, também o filho de Siza teve ali o seu atelier.
Curiosamente, a disposição dos ateliers – aleatória ou não – é plenamente hierárquica: o mestre Távora está por cima do seu discípulo Siza, que está, por sua vez, no andar superior ao de Eduardo Souto de Moura1.
Entrámos juntos no atelier, que também apresenta uma disposição hierárquica. No centro está o seu escritório, e à volta desse núcleo atómico articula-se tudo, onde destacam dois grandes espaços laterais de zonas de trabalho.
Oferece-me um café que, para meu espanto, ele próprio prepara e, depois de se sentar e aproximar o cinzeiro, convida-me a começar uma conversa para a qual não tinha posto nenhuma condição.
No atelier, outrora mais povoado, é hoje um lugar muito mais tranquilo. O encarregado do arquivo – doado em 2014 ao museu Serralves no Porto, à Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa e ao Canadian Centre for Architecture em Montreal –, a sua secretária Anabela, o informático e a senhora da limpeza… arquitetos e estagiários, todos juntos, oscilam entre cinco e dez, conforme a época. Os arquitetos coordenam os diferentes projetos, materializando os esboços e ideias de Siza. Talvez a parte mais importante do atelier sejam as maquetes. Para cada obra realizam-se a todas as escalas, desde o meio até aos detalhes interiores. Tal como os esboços, é a ferramenta mais útil para um Siza que parece pensar com as mãos. As maquetes inundam a zona esquerda do atelier, enquanto no lado direito se encontram os computadores. Os seus esboços cobrem as paredes, junto com um ou dois planos. Cada desenho seu é datado, digitalizado e arquivado. Os seus cadernos – sempre de capa negra –, também eles, são rigorosamente guardados por ordem cronológica.
Já não concorre a concursos porque ‘se tens trabalho não podes dedicar-lhes o tempo necessário, e entorpece os outros projetos em desenvolvimento’.
Muitas vezes passeia pelo atelier como se estivesse sozinho, com ar distraído, fazendo algum comentário irónico ou brincando com qualquer membro da equipa, com um peculiar humor sarcástico.
E, então, senta-se numa mesa, faz-se silêncio e o Mestre começa a desenhar como um médium em transe. As suas mãos parecem ganhar vida própria: enquanto uma agarra num cigarro que parece imarcescível, a outra planeia e acaricia o papel com uma aparente aleatoriedade. O resultado, tal como aquela canção de Queen de 1986, ‘is a kind of magic’.