Há umas semanas convoquei os meus contactos nas redes para fazer uma lista dos vinte melhores edifícios do século XX e a resposta superou-me. Houve uma febre de respostas com escalões e relações de obras-mestras da arquitetura.
Esta azáfama pelas listas também está presente no cinema: cada poucos anos, volta a sair a dos melhores filmes da história. Citizan Kane repete e volta a repetir a liderança durante décadas até que, de repente, O Padrinho II lhe rouba o protagonismo e Orson Welles não volta a levantar a cabeça.
Porque é que gostamos tanto das listas?
Acredito que, em primeiro lugar, porque nós, os arquitetos, somos muito fãs dos arquitetos. Noutras profissões isto não acontece, mas na arquitetura existe, sim, essa parecença com os do cinema: temos os nossos mitos, conhecemos as suas intimidades, sabemos as suas intrigas, as suas ambições… e gostamos deles.
Todos nós temos os nossos arquitetos e os nossos edifícios favoritos, mas muitas vezes isso não é o resultado de uma análise racional, mas sim de uma paixão e de uma fascinação bastante inexplicável e emocional. Na medida do possível, tentamos viajar para ver as nossas obras favoritas, compramos os livros onde estas aparecem, admiramo-las como fanáticos acólitos dos nossos deuses, discutimos, gesticulamos, babamos… Somos bastante pitorescos.
Basta perguntar a um arquiteto ou a um estudante de arquitetura sobre os seus edifícios favoritos para vê-lo saltar com uma exaltação que só pode ser superada caso lhe perguntemos quais são os que ele mais detesta entre os famosos. Isto é como o futebol, e nós somos hooligans.
Esta faceta hooliganeira faz com que muitos arquitetos se transformem em ídolos mediáticos (dentro do restringido campo dos interessados pela arquitetura: somos poucos, mas muito ferozes) e os seus edifícios em símbolos icónicos, em monumentos de referência.
![](https://i0.wp.com/blogfundacion.arquia.es/wp-content/uploads/2019/04/blogfundacion.arquia.es-la-fiebre-de-las-listas-2.-las-listas-fq-jose-ramon-hernandez-arquitectamos-locos.jpg?resize=900%2C534&ssl=1)
A imagem mostra a transcrição das listas que recebi, uma vez marcadas e contabilizadas
Uma coisa que me chamou a atenção é que, segundo o que e mandaram, os deuses da arquitetura são os de sempre. (Ok: Era uma lista de arquitetura do século XX; o séc. XXI não contava. Mas é que os edifícios mais valorizados roçam a metade do século – anos cinquenta; anos sessenta como muito. O que é que feito da longa e fértil segunda metade do século?).
Sei que quase todos os que votaram são muito mais novos que eu, mas os resultados seriam os mesmos se eu tivesse feito o mesmo teste com os meus colegas nos anos oitenta. Passaram trinta e muitos anos, mas os amos do pódio continuam a ser os mesmos.
Os arquitetos de vinte e cinco anos continuam a venerar os grandes mestres que nós, os que temos quase sessenta idolatramos, e que, por sua vez, os nossos mestres nos ensinaram a amar, mestre que hoje têm ou teriam oitenta.
As listas. As listas. Trata-se, definitivamente, de um exercício de tributo e vassalagem aos nossos mitos, que, pelo simples facto de o ser, deixam de ser pessoas e obras inseridas no mundo para passarem a ser consideradas arquétipos lendários, que não são valorizados pelas suas qualidades objetivas, mas pela sua capacidade de fascinação.
Porque, em suma, os que acedemos a fazer a nossa lista, reconhecemos o nosso entusiasmo acrítico e a nossa capacidade de gozo disparatado dos ídolos.
E olha, desfrutamos com isso!