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“(…) não podemos arrogar-nos o direito de ver nela uma oportunidade profissional e, sobretudo, devemos estar atentos para não cair na dinâmica de um trabalho assistencialista, que não teria outra função senão manter a situação como está ou, o que ainda é pior, contribuir para perpetuar a desativação política dos seus protagonistas.”, em FREYBERGER, G. (versão espanhola, 2016), pág. 213.

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“Se fizesse falta chamar-se-ia, para que “ajudassem” sem saber que o que o estavam a fazer, a algum prestigioso grafiteiro, para decorar alguma meeira, dando assim um ar vanguardista ao bairro. Também é comummente denominado “coletivo de arquitetos” que dá visibilidade às suas atrativas teorias colaborativas, construindo “instalações efémeras” com paletes de madeira e outros materiais reciclados, em algum estratégico terreno do bairro. E finalmente tudo se difundirá, em alto e bom som, nos suplementos dominicais e em prestigiosos blogs que marcam a tendência, além das, obviamente, redes sociais.”, CAMINO, F., em https://www.arquitasa.com/la-gentrificacion-o-conquistar-barrios-sin-derramar-sangre/, ARQUITASA, publicado no dia 12 de fevereiro de 2016.

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Em ROWAN, J. (2016), “Cultura libre de Estado”, págs. 90-91, o autor realiza uma análise dos efeitos das chamadas Industrias Criativas, avisando sobre os perigos de gerar discursos que oponham campos de futebol a MediaLabs e defendam um relato de progresso e inovação que adote o experimental como algo quotidiano.

Arquitetura e participação: apocalipse ou integração?

Cedric Price – “Do it with an Architect”

“Por vezes, um pequeno grupo de gente muito comprometida com o que está a fazer pode chegar a mudar as coisas. Isso está muito bem, pois significa que há mecanismos de transformação política relativamente acessíveis. Mas muitas vezes cegam-te e não te deixam ver a realidade política maioritária.” em RENDUELES, C. (2015), ‘Capitalismo Canalla, pág.87.

Assistimos hoje a uma crescente demanda social e vontade política que identificam os processos participativos como uma ferramenta, não só útil, mas necessária, para o desenvolvimento de qualquer processo de tomada de decisão. Com o tempo, vemos com mais frequência, desde a arquitetura, defender que o design e o planeamento urbano não podem ser abordados sem a análise da prática social do espaço. A confluência destas duas tendências situa a cidade e os seus processos de transformação urbana como principal cenário destas novas práticas participativas.

Assim, encontramos arquitetos e arquitetas numa grande parte dos workshops de participação a ostentar a figura da facilitação. Isso, que não é necessariamente um problema, é sintomático de uma realidade mais profunda; estas práticas de design urbano configuram um novo nicho profissional para a arquitetura e, consequentemente, produzem-se ingerências desde as estruturas económicas e institucionais.1

É curioso ver como a arquitetura e o urbanismo se apresentam, desde a própria disciplina, como profissões alheias ao económico, mais próximas ao humanístico e artístico, ou, recentemente, ao sociológico. No entanto, sabemos que ambas as disciplinas viram-se sistematicamente arrastadas pelo poder económico para a materialização das suas lógicas de apropriação e extração de valor na cidade (MINGUET, J. 2017) e que as razões que dão forma à mesma têm menos a ver com a vontade do arquiteto do que gostaríamos de reconhecer.

Agora, com o urbanismo participativo, não é diferente (MINGUET, J. 2014) e vemos como muitas práticas são, novamente, assimiladas pelas estruturas económicas em benefício próprio2, forçando-as, além disso, a fazer parte das suas lógicas de funcionamento: produção em massa e concorrência (desde a precariedade).

Por outro lado, em relação ao institucional, é importante entender e aceitar que, apesar da necessária entrada da participação na instituição pública e tudo o que foi alcançado com isto, atualmente, as lógicas do que é público afetaram mais a maneira na qual os mecanismos e ferramentas de participação são projetadas e implementadas do que o contrário.

Com base no exposto, vale a pena perguntar se este novo mercado de práticas participativas a partir da arquitetura é um sintoma de um sistema profissional, político e económico que se esgota, ou o contrário, da vontade de ditos sistemas de os fagocitar. Vemo-nos assim numa encruzilhada entre a inação – acusada de conformista e irresponsável – e a conivência – inconsciente, ingénua e apoiante da ordem estabelecida.

Surgem assim novas questões: são necessárias certas concessões ao sistema para, a partir daí, ser capazes de gerar outras tensões?; por onde devemos começar a construir e a constituir-nos?; apocalipse ou integração? Embora não tenha respostas, suspeito – ou talvez espere – que dita encruzilhada não o seja.

Numa terceira via, parece fundamental superar a participação como ferramenta ou método [produto-solução] e assimilá-la como hipótese de trabalho (ROWAN, J. 2016, p.18). Uma hipótese que questiona a cultura convencional de transformação e produção do espaço e que não por isso requer arquitetura, mas que, pelo contrário, demonstra e enfatiza a sua insuficiência. Minimizar, assim, discursos ingénuos e relatos de progresso incorretos3, ao mesmo tempo que incorporamos concessões conscientes que permitem a abertura de pequenas brechas desde dentro e, em conjunto com outros movimentos de resistência, ser capazes de nos reconhecermos como iguais dentro da mesma luta.


Quero agradecer a Roberto Ros e a Luis G. Sanz pelos seus comentários e aportações ao debate e ao texto após a sua revisão.

Documentação e bibliografia

Notas de página
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“(…) não podemos arrogar-nos o direito de ver nela uma oportunidade profissional e, sobretudo, devemos estar atentos para não cair na dinâmica de um trabalho assistencialista, que não teria outra função senão manter a situação como está ou, o que ainda é pior, contribuir para perpetuar a desativação política dos seus protagonistas.”, em FREYBERGER, G. (versão espanhola, 2016), pág. 213.

2

“Se fizesse falta chamar-se-ia, para que “ajudassem” sem saber que o que o estavam a fazer, a algum prestigioso grafiteiro, para decorar alguma meeira, dando assim um ar vanguardista ao bairro. Também é comummente denominado “coletivo de arquitetos” que dá visibilidade às suas atrativas teorias colaborativas, construindo “instalações efémeras” com paletes de madeira e outros materiais reciclados, em algum estratégico terreno do bairro. E finalmente tudo se difundirá, em alto e bom som, nos suplementos dominicais e em prestigiosos blogs que marcam a tendência, além das, obviamente, redes sociais.”, CAMINO, F., em https://www.arquitasa.com/la-gentrificacion-o-conquistar-barrios-sin-derramar-sangre/, ARQUITASA, publicado no dia 12 de fevereiro de 2016.

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Em ROWAN, J. (2016), “Cultura libre de Estado”, págs. 90-91, o autor realiza uma análise dos efeitos das chamadas Industrias Criativas, avisando sobre os perigos de gerar discursos que oponham campos de futebol a MediaLabs e defendam um relato de progresso e inovação que adote o experimental como algo quotidiano.

Por:
(Águilas, 1987) Socio cooperativista y cofundador de la Oficina de Innovación Cívica S. Coop. Miembro de la red internacional CivicWise.

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