Dou como dado adquirido, sem meter-me a dar exemplos, que sempre houve uma corrente de compromisso social na arquitetura; que, com diferentes graus de radicalidade e fortuna, sempre houve arquitetos que tratam de fazer do seu trabalho uma contribuição consciente à sociedade. Então, por que motivo é especialmente relevante falar disto justo agora? Porque nestes últimos anos se denota um ressurgimento, uma corrente de valores talvez parecidos aos de há umas décadas atrás, mas com formas de fazer atualizadas e absolutamente contemporâneas.
No entanto – e aproximando-nos do cerne deste post – muitos desses projetos carecem de tal forma de uma esfera económica que não contribuem para a nossa sustentabilidade como profissionais. E não o fazem porque não é fácil de o fazer: ou se põem em causa valores e formatos que não são tão simples de reconhecer – e, portanto de retribuir –, ou então, precisamente onde sim são reconhecidos e onde mais falta fazem, não existem entre eles beneficiários meios económicos para proporcionar um retorno sensato.
E é assim que o arquiteto se encontra com o que não pode viver de uns projetos que, ainda que expandam a arquitetura como disciplina e que (re)cobrem sentido social, não constroem uma profissão viável.
Então por que razão não o deixa de fazer? Porque, no fundo, sabe que o compromisso social não se pode limitar a fazer o que a sociedade exige (e contrata): o compromisso social baseia-se em fazer o que se acredita ser a necessidade da sociedade, e, por tal, a arquitetura mais comprometida não se pode sujeitar à lei de oferta e procura que governa todas as profissões.
Alias, a crise “facilitou-nos” isso justamente: ao haver uma paralisação da procura, liberou-se a oferta. Como os promotores já não vêm ao nosso encontro, convertemo-nos nós próprios em promotores… e, por consequência, reencontrámo-nos de uma forma mais livre com a nossa vocação. Ao fim ao cabo, como sempre intuímos, quem tem o poder para o impacto social, mais que o arquiteto, é o promotor. Mais até que a solução arquitetónica, o que determina são as condições de contorno, o enfoque, os princípios da iniciativa, o processo… e é isto, justamente, o que podemos eleger quando fazemos, sem condições, o que acreditamos ser o que deve ser feito.
Chegados a este ponto, as perguntas começam a ser outras: E se nos enganamos no enfoque? E se não se tivesse que profissionalizar o que atualmente é voluntário, senão voluntariar o que agora é a profissão? Talvez não devesse o arquiteto viver diretamente do seu trabalho, e sim fazer o que este ache melhor e obter da sociedade, indiretamente e através de qualquer outra via, os meios para poder continuar a fazê-lo.
Admito que não sei muto bem que cenários abre isto. Poderia estar o nosso trabalho – por exemplo – subsidiado pelo estado? Deveríamos viver da doação, como se de ativistas declarados nos tratássemos? Ou teremos que seguir como até agora, investindo e doando o nosso trabalho enquanto nos alimentamos do que a sociedade, aparentemente, nos exige, nos encarga e (às vezes) nos paga? Não sei, mas caramba, acho que vale a pena considerá-lo.
E nos entretantos, permitam-me continuar a acreditar nisto em relação aos meus colegas de profissão: se foram livres de fazer o que quiseram sem se preocupar de obter disto o seu sustento, fariam coisas maravilhosas com e para a sociedade. Prova disto é que, mesmo sem retorno direto desta e lutando desde a precariedade, já as estão a fazer.
Fotografia de Göran Arvidson em Flickr.
Texto traduzido por Inês Veiga.