O grito pela arquitetura. Um manifesto.
‘O Grito’ de Edvard Munch, 1893, óleo sobre tela.
Em arquitetura não existe individualidade. Pensar arquitetura é pensar o todo, a cidade.
O edifício é um corpo que se alastra no espaço, constrói relações, grita pela harmonia e equilíbrio das partes.
Nem mesmo o arquiteto deve ser considerado uma individualidade, ele simboliza o homem no espaço, quer ser a origem dos problemas e a síntese de soluções.
Posto isto, a questão da individualidade poderá ser, no meu ponto de vista, uma das origens da crise que a arquitetura atravessa nos nossos dias.
Edvard Munch em “O Grito”, constrói uma atmosfera convincente de angústia e desespero, sem aparente justificação. O ritmo imposto pelas linhas, a atmosfera criada pelas cores, traduz as sensações sonoras provocadas por um grito que ecoa até ao infinito.
Pressinto que nas cidades atuais paira esta angústia e desespero, os edifícios são metáfora do pintor que grita na cidade. Gritam pela arquitetura, pela ordem, pelo caos, pelo silêncio, pelo ritmo, pela harmonia, pelos sentimentos, pela vida.
Há falta de arquitetos nas cidades, há falta de poesia, há falta de vida.
Porque não tratar a cidade como um poema? Os edifícios são as palavras, as ruas são os versos.
Solucionar o declínio da arquitetura dos nossos dias, não requer só a atenção a casos particulares e pormenores. É preciso ir mais longe, chegar ao todo, à envolvente, à cidade.
O espaço tem que ser encarado sem limites, sem restrições, sem paradoxos. Para perceber o espaço é preciso ‘derrubar barreiras’, destruir limites e criar relações com outros objetos.
O dentro é o fora, o exterior é o interior. Nas cidades, as ruas são edifícios sem cobertura, grandes salas amplas sem tetos, sustentadas por grandes muros perfurados por portas e janelas. Esses muros são as fachadas das casas, umas mais genuínas, outras misteriosas, que não espelham o interior expectável.
Mas seguindo a linha de pensamento anterior, o alçado expõe o interior mas também funciona como alçado interior das ruas, cria um ritmo que nos fascina e chama para a descoberta do desconhecido.
A arquitetura convoca o mundo à sua volta, situa-se no espaço e contém o espaço, por sua vez, o edifício requer sempre uma interação entre o interior e o exterior.
Qualquer projeto de arquitetura revela sempre o lugar, e revela uma consumação espacial de uma decisão intelectual. Expressa uma conversa entre o arquiteto e o habitante, na qual o intelecto do artista quer conscientemente tocar o inconsciente do outro.
O mundo atual pede sinceridade, pede verdade, pede liberdade. O espaço público precisa de mais protagonismo e atenção, tem de ser posto em causa, de criar discussão. Quer sobrepor-se à individualidade e à solidão.
A cidade quer ser virada do avesso.
Com este ensaio crítico, mais do que afirmar insatisfação face ao presente, pretendo lançar questões que propiciem resoluções para o futuro. O que prevalece neste universo caótico atual, o que requer mais atenção?
Cheios ou vazios?
Interior ou exterior?
Nas cidades existe uma ordem por decifrar, um caminho por desenhar.
Nas cidades ecoa um grito pela Arquitetura.